Projeto Pedagógico Oficinas de Teatro em Inglês

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O Nascimento


Diego Velázquez 1629 165 x 225 Museo del El Prado

Rindo, chorando, vibrando de entusiasmo ou sofrendo o impacto do terror, os cidadões comprimiam-se na praça do velho mecado de Atenas, a mais importante cidade-Estado da Grécia no século VI a.C. Contra a vontade de Sólon, tirano e legislador eficaz mas nem sempre dedicado às sutilezas da sensibilidade, o povo preferiu acreditar em cada gesto de Téspis, um homem estranho, que ousava imitar os deuses e os homens. Grossa túnica nos ombros e tosca máscara sobre o rosto, Téspis desceu solene e grave os degraus do altar que improvisara sobre uma carroça. E sem esperar que os circundantes se refizessem do inesperado afirmou - Eu sou Dionisio. Foi um sacrílego e surpreendente momento das festas que a tradição reservava ao deus da alegria. Foi também o instante em que, pela primeira vez, um obscuro e arrogante grego se fez aceitar como deus de carne e osso pelos atenienses do mercado. E foi o começo de uma aventura espiritual que atravessaria os séculos, mesclando, à imagem do próprio homem, verdade e fantasia, riso e lágriamas, o nascimento do Teatro.  Pouco teriam adiantado as ordens oficiais proibindo o desempenho de Téspis e relacionando seu histrionismo à imposutura. Intuitivamente, Téspis conquistara um público, enquanto Sólon perdera uma excelente oportunidade de se mostrar simpático aos cidadões. Isso seria privilégio de outros tiranos e, no século seguinte, dos governantes da democracia grega, sempre dispostos a organizar concursos e a premiar quem melhor falasse a sua linguagem e distraísse a multidão. 

Sábato Magaldi Teatro Vivo Introdução e história p. 12.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Gulliver's Travels 1726


Há em alguns campos desse país certas predras brilhantes variamente coloridas, de que muito se agradam os yahoos, e quando essas pedras se acham fixas na terra, como às vezes se sucede, cavam o chão com as garras dias inteiros, para arrancá-las, carregam-nas depois e escondem-nas em montes dentro das suas covas, mas olhando sempre à sua volta,  receosos de que os companheiros lhes encontrem o tesouro. Disse meu amo que nunca pudera descobrir a razão desse apetite desnatural, ou a utilidade que poderiam ter as pedras para os yahoos, agora, todavia, acreditava que os pudesse mover o mesmo princípio da avareza que eu atribuia aos homens. De uma vez, a título de experiência, removera em segredo um monte dessas pedras do lugar em que as enterrara um dos yahoos, dando pela falta do tesouro, o sórdido animal atrai ao lugar todo o bando com as suas ruidosas, lamentações e põe-se a uivar altissimamente e, em seguida, a arranhar e morder os outros,  consumindo-se todo,não quer comer, nem dormir, nem trabalhar, até que meu amo ordena a um criado que transporta-se as pedras para o mesmo buraco e as deixe como estavam antes, e, tendo-o descoberto o yahoo, recobra incontinenti o ânimo e o bom humor, mas tem o cuidado de levar as suas pedras para um outro esconderijo melhor, sempre se mostrando depois um animal muito prestadio. Asseverou-me ainda meu amo, e eu memso o observei também, que nos campos onde abundam as pedras brilhantes se travam as batalhas mais renhidas e frequentes, ocasionadas pelas perpétuas incursões dos yahoos vizinhos. Disse ele comum, quando dois yahoos descobriam uma dessas pedras no campo e lhes discutiam a posse, tirar disso proveito um terceiro e desapoderar dela os dois primeiros, no que meu amo quis, por força, achar alguma semelhança com os nossos pleitos judiciais, do que eu, para maior crédito nosso, não procurei despersuadi-lo, pois a decisão por ele mencionada era muito mais equitativa do que muitas sentenças entre nós, visto que, nesse caso, o querelante e o querelado perdiam apenas a pedra por cuja posse contendiam, entretanto que os tribunais de justiça nunca dariam por encerrada a causa enquanto algum dos ligantes possísse alguma coisa. Prosseguindo em seu discurso, disse meu amo não haver nada que tornasse mais odiosos os yahoos do que o seu indistinto apetite para devorar quanto se lhes antojasse, fosem ervas, raízes,bagas, carne podre de animais , ou tudo ao mesmo tempo, e era-lhes peculiar preferirem o que obtinham por via da rapina ou furto, a grande distância, do que uma comida mais bem preparada em casa para eles. Quando eram abudantes os despojos, comiam até ficarem a termos de arrebentar, depois do que se socorriam de certa raiz que a natureza lhes indicara e que lhes produzia um alívio geral. Havia também uma outra raiz, muito suculenta, mas algo rara e difícil de encontrar, que os yahoos buscavam com grande avidez e sugavam com grande prazer, ocasionava-lhes os mesmos efeitos que em nós fazia o vinho. Levava-os, às vezes, a se abraçarem, e outras, a se espancarem, uivavam, riam, tagarelavam, cambaleavam, caíam e acabavam adormecidos no meio do lodo. Reparei, efetivamente, em que eram os yahoos os únicos animais nesse país sujeitos a infermidades, as quais, não obstante, eram muito menos numerosas do que as dos cavalos entre nós, e não apanhadas em virtude de maus-tratos que recebessem, mas em razão da sujidade e avidez do sórdiso animal. Nem possui a língua dele outra denominação para essas moléstias que uma apelação geral tirada do próprio nome dos animais, hnea-yahoo, ou mal dos yahoos. Em quanto aos saber, governo, artes, manufaturas e coisas semelhantes, confessou meu amo que encontrava pouca ou nenhuma semelhança entre os yahoos desse país e os do nosso, pois era seu intuito observar apenas a paridade existente entre as nossas naturezas. Ouvira, com efeito, notarem alguns houyhnhnms curiosos que havia na maioria dos bandos uma espécie de yahoo presidente, como existe quase sempre entre nós, um veado dirigente ou principal num parque, cujo corpo é mais deformado e cuja disposição mais maligna do que o dos outros. Tem esse chefe, de ordinário, um favorito, o mais possível parecido com ele, cujo ofício consiste em lamber-lhe os pés, pelo que é, de vez em quando, recompensado com um pedaço de carne de burro. Esse favorito é odiado por todo o bando, e, por conseguinte, para proteger-se, não se arreda do chefe. É geralmente mantido no cargo até que se enconra um pior, mas no momento em que é despedido, o sucessor, à frente de todos os yahoos do distrito, novos e velhos, machos e fêmeas, procuram-no em conjunto e dirigem-lhe toda sorte de insultos concebíveis.. Mas até onde poderia isso aplicar-se às nossas cortes e aos nossos favoritos e ministros de Estado, declarou meu amo que eu saberia determinar melhor. Não retruquei a esta maldosa insinuação, que colocava o entendimento humano abaixo da sagacidade de um cão de caça, comum, que tem suficiente discernimento para distinguir e seguir o grito do cão mais hábil da matilha, sem jamais se enganar. 


STF Tv Justiça 21.mar.2018  

Jonathan Swift Viagens de Gulliver p. 275.

Escravidão: Forma de servidão em que uma pessoa é propriedade de outra


Acredita-se que a prática da escravidão se originou com o desenvolvimento da agricultura por volta de 1 0000 a.C. A agricultura exigia trabalho braçal e prisioneiros  de guerra escravizados, proviam meios baratos e convenientes de exercê-lo. A escravidão foi legal durante toda a Antiguidade. Escravos eram tipicamente adquiridos por conquistas militares ou por compra em terras estrangeiras. Suas condições não eram sempre necessariamente muito duras. Na Grécia e na Roma antigas, escravos podiam ter suas próprias propriedades e tocar seus negócios, tinham quase todas as mesmas facilidades que os homens livres, com exceção do direito de servir no Exército e de se envolver em qualquer atividade política. Sem o trabalho escravo, muitas civilizações não se teriam sustentado. O Império Romano 27 a.C. a 500 d.C, dependia de escravos para tudo, da construção de edifícios à elaboração de cópias de manuscritos. A escravidão se manteve na Europa até o século IV depois de Cristo, quando foi substituída pela servidão. Depois, voltou no século XV com a abertura da África e a descoberta do Novo Mundo. Durante esse período um grande número de africanos foi enviado às Índias Ocidentais e às Américas pelos eurpeus para trabalhar como escravos em minas ou plantações. A atitude em relação à escravidão começou a mudar no século XVII, no entanto, e um movimento pró-abolição surgiu, com pessoas em campanha contra a crueldade e a injustiça da prática. Em 1792 a Dinamarca aboliu a escravidão e ao longo dos cem anos que se seguiram muitas outras nações seguiram o exemplo. Mas esse não foi o fim da escravidão. A prática foi extensamente usada ao long da história da União Soviética na forma de gulags, campos de trabalhos forçados, e regularmente retornava em épocas de guerras. No fim do século XIX ressurgiu uma nova forma de escravidão, conhecida como escravidão por divída, na qual os empregadores cobram tanto dos empregados por comida e abrigo que estes, explorados, nunca conseguem liquidar sua dívida e, portanto suas obrigações.

The Gulag soviet labor camp

1001 ideias que mudaram nossa forma de pensar p. 41.

domingo, 28 de outubro de 2018

Uso de moedas para pagar por bens e serviços


As culturas antigas se baseavam primordialmente na permuta para trocar bens e serviços. Foi só por volta de 1 200 a.C. que a primeira forma monetária emergiu na Turquia antiga, quando as pessoas começaram a usar obsidianas como uma forma de troca. Embora a obsidiana pudesse ser usada para criação de ferramentas de pedra, essas pessoas não a usam com esse fim, empregando-a em vez disso como objeto de valor. Em algum momento entre 9000 e 6000 a.C. começaram a usar seres vivos como gado e ovelhas como moeda de troca. Por volta do século VI a.C. as pessoas na Turquia Ocidental criaram a primeira forma de moeda, derretendo ouro e cunhando-o em pequenas moedas estampadas com uma imagem impressa. O primeiro dinheiro em papel só surgiu na China no século XI, constituindo de notas promissórias que proviam uma promessa escrita de que se pagaria ao outro em metal precioso, avançando, assim, o conceito monetário para além de um objeto de valor tangível. Embora a maior parte das moedas ao longo da História tenha se mantido relacionada ao valor do objeto em questão, como ouro e prata, sistemas modernos, usam papel-moeda; dinheiro que é valioso unicamente porque é usado como tal. Sem dinheiro os humanos, teriam que permutar sempre que quisessem realizar algum tipo de coméricio. A permuta, embora ainda amplamente utilizada, pode ser bastante complicada. Se o comprador não tem o que vendedor quer ou precisa, ou vice-versa, o comércio não dá. Com dinheiro, no entanto, os  humanos introduziram um objeto univesalmente aceito que todas as partes reconhecem como valioso. Isso teve um impacto profundo na sociedade humana, criando novos elos entre as pessoas por meio de troca, o que, por sua vez, lhes permitiu se libertarem de seus grupos consanguíneos originais. Economias mercantis e fortes moedas correntes se tornaram a chave para cidades florescentes, alicerçando os avanços intelectuais, culturais e tecnológicos que surgiram em tais centros comerciais. 

China fast catching as global economic power 

What sets the United States apart from China is the productivity statistic—i.e. per capita GDP.  This figure indicates how efficiently a country’s citizens use their resources and talents.


Sources World Bank Glenn Hubbard & Time Kane 

1001 ideias que mudaram nossa forma de pensar p. 38.

Poderosas obras de arte desenhadas por humanos pré-históricos

La Grotte de Lascaux en France

A arte rupestre paleolítica data de pelo menos 40 mil anos atrás e se espalha por uma vasta area geográfrica, incluindo a Europa, a Índia e as Américas. A maior parte das pinturas, como aquelas encontradas na caverna de Lacaux, na França, apresenta animais de grande porte, cavalos, vacas, bois selvagens e cervos, assim como contornos de mãos humanas. Curiosamente, imagens inteiras de humanos não se encontra na arte rupestre europeia, mas prevalecem na africana. As cavernas em si tendem a ser  locais de difícil acesso. Existem várias teorias sobre a origem da arte rupestre. Henri Breuil teorizou que, dado o número de animais de grande porte representados nas obras de arte, era provável que houvesse uma instância de mágia de caça, no intuito de aumentar o número de animais caçados pelos humanos primitivos e Neandertais. Outra teoria identifica arte rupestre com rituais xamânicos ancestrais, provavelmente, em alguns locais, envolvendo o uso de substâncias alucinógenas. E alguns pesquisadores sugeriram que a arte rupestre pode ainda ter sido uma forma ancestral de animação. A arte rupestre parece ter surgido ao mesmo tempo que o Homo Sapiens. No entanto,  não devemos nos precipitar em atribuir sua existência a tal desenvolvimento. Evidências sugerem que pelo menos uma parte da arte rupestre europeias foi produzida por Neandertais. A arte é um elo visual poderoso com a nossa pré-história. E, conforme exposto por Pablo Picasso, nos diz algo sobre a arte e cultura de uma sociedade proto-humana particularmente liberal. Era a arte que os humanos produziam quando não havia tradições ou regras de representação para determinar como a arte e a cultura devem ser produzidas. 

Pablo Picasso Dyin Bull 1934 

1001ideias que mudaram nossa forma de pensar p. 33.

sábado, 27 de outubro de 2018

O Determinismo Geográfico

Family from Nuatak Alaska 

O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. São explicações existentes desde a Antiguidade, do tipo das formuladas por Pollio, Ibn Khaldun, Bodin e outros. Estas teorias, que foram desenvolvidas principalmente por geógrafos no final do século XIX e no início do século XX, ganharam uma grande popularidade. Exemplo significativo deste tipo de pensamento pode ser encontrado em Hutington, em seu livro Civilization and Climate 1915, no qual formula uma relação entre a latitude e os centros de civilização, considerando o clima como fator importante na dinâmica do progresso. A partir de 1920, antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre outros, refutaram este tipo de determinismo e demonstraram que existe uma limitação na influência geográfica sobre os fatores culturais. E mais, que é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico. Tomemos, como primeiro exemplo, os lapões e os esquimós. Ambos habitam a calota polar norte, os primeiros no norte da Europa e os segundos no norte da América. Vivem, pois, em ambientes geográficos muito semelhantes, caracterizados por um longo e rigoroso inverno. Ambos têm ao seu dispor flora e fauna semelhantes. Era de esperar, portanto, que encontrassem as mesmas respostas culturais para a sobrevivência em um ambiente hostil. Mas isto não ocorre. Os esquimós constroem suas casas, iglus, cortando blocos de neve e amontoando-os num formato de colmeia. Por dentro a casa é forrada com peles de animais e com o auxílio do fogo conseguem manter o seu interior suficientemente quente. É possível, então, desvencilhar-se das pesadas roupas, enquanto no exterior da casa a tempertatura situa-se a muitos graus abaixo de zero grau centígrado. Quando deseja, o esquimó abandona a casa tendo que carregar apenas os seus pertences e vai construir um novo retiro. Os lapões por sua vez, vivem em tendas de peles de rena. Quando desejam mudar os seus acampamentos, necessitam realizar um árduo trabalho que se inicia pelo desmonte, pela retirada do gelo que se acumulou sobre as peles, pela secagem das mesmas e o seu transporte para o novo sítio. Em compensação, os lapões são excelente criadores de renas, enquanto tradicionamente os esquimós limitam-se à caça desses mamíferos. A aparente pobreza glacial não impede que os esquimós tenham uma desenvolvida arte de esculturas em pedra-sabão e nem que resolvam os seus conflitos com uma sofisticada competição de canções entre os competidores. Um segundo exemplo, transcrito de Felix Keesing, é a variação cultural observada entre os índios do sudoeste norte-americano. 

Los Navajo

Os índios Pueblo e Navajo, do sudoeste americano, ocupam essencialmente o mesmo habitat, sendo que alguns índios Pueblo até vivem hoje em bolsões dentro da reserva Navajo. Os grupos Pueblo são aldeões, com uma economia agrícula baseada principalmente no milho. Os Navajo são descendente de apanhadores de víveres, que se alimentavam de castanhas selvagens, sementes de capins e de caça, mais ou menos como os Apache e outros grupos vizinhos têm feito até os tempos modernos. Mas, obtendo ovinos dos europeus, os Navajo são hoje mais pastoreadores, vivendo espalhados com seus rebanho em grupos de famílias. O espírito criador do homem pode assim envolver três alternativas culturais bem diferentes, apanha de víveres, cultivo, pastoreio, no mesmo ambiente natural, de sorte que não foram fatores de habitat que proporcionaram a determinante principal. Posteriormente, no mesmo habitat, colonizadores americanos tiveram que criar outros sistemas de vida baseados na pecuária, na agricultura irrigada e na urbanização.

Foto Ricardo Stukert

O terceiro exemplo pode ser encontrado no interior de nosso país, dentro dos limites do Parque Nacional do Xingu. Os xinguanos propriamente ditos, Kamayurá, Kalapalo, Trumai, Waurá etc., desprezam toda a reserva de proteinas existentes nos grandes mamíferos, cuja caça lhes é interditada por motivos culturais, e se dedicam mais intensamente à pesca e à caça de aves. Os Kayabi, que habitam o Norte do Parque, são excelentes caçadores e preferem justamente os mamíferos de grande porte, como a anta, o veado, o caititu etc. Estes três exemplos mostram que não é possível admitir a ideia do determinismo geográfico, ou seja, a admissão da ação mecânica das forças naturais sobre uma humanidade puramente receptiva. A posição da moderana antropologia é que a cultura age seletivamente,e não casualmente, sobre seu meio ambiente, explorando determinadas possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura. As diferenças existentes entre os homens, portanto, não podem ser explicadas em termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações. Um animal fragil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem asas, dominou os ares, sem guelras ou membranas próprias, conquistou os mares. Tudo isto porque diferente dos outros animais por ser o único que possui cultura. Mas que é cultura? 


Roque de Barros Laraia Cultura um conceito antropológico p. 25.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Antropomorfismo Atribuição de características humanas a seres não humanos

Lion-Man Hohlenstein Stadel in Germany 35 000 to 40 000 years ago

Antropomorfismo, das palavras gregas para humano antropos e forma morphe, refere-se à atividade ancestral de atribuir caracteristicas humanas a seres não humanos, como deidades, animais, vegetação ou elementos. Algumas das obras de arte mais antigas O homem leão, de Hohlenstein Stadel, Alemanha, por exemplo, mostram animais com caracteristicas humanas. Tradições xamânicas, que são conectadas com este tipo de arte, tendem a ver espíritos em todas as coisas, o que significa que, quando atribuem características humanas a árvores, chamando-as de dríades, por exemplo, acreditam que o espírito da árvore, assim como o espírito humano, é o princípio que faz com que a árvore cresça e aja como um humano. O mesmo se aplica a tudo, ou quase, na natureza. Uma subcategoria do antropomorfismo é o antropoteísmo, no qual entidades não humanas elevadas, os deuses, ou Deus, são representadas com características humanas. Platão 424 a 348 a.C. acusou os poetas gregos de contarem mentiras sobre os deuses, pois pintavam deuses como Zeus com motivações humanas mesquinhas, e certas passagens bíblicas, como aquelas em que se descreve a mão direita de Deus, são comumente vistas como exemplos de antropoteísmo. Em termos psicológicos, o antropomorfismo tem inúmeras implicações. Atribuir características humanas a um ser não humano pode alterar a nossa visão e sentimento de cuidado moral e consideração, por exemplo. O processo de antropomorfismo pode também ser visto como uma forma de a mente simplificar entidades complicadas  para ajudar a nossa compreensão. Hoje o antropomorfismo continua como uma ideia importante em religiões xamãnicas como o taoísmo e o xintoísmo. Também permanece como uma característica proeminente na cultura, desde personagens de desenhos animados, como o Pernalonga, até respeitadas obras da literatura como A revolução dos bichos, de George Orwell 1945. 



Bugs Bunny's 3rd Movies 1001 Rabbit Tales 1982 Official Trailer 
Mel Blanc Looney Tunes Movie

 1001 ideias que mudaram nossa forma de pensar p. 30.  

Vestimenta Origem desconhecida

Charles Frederick Worth

Os materiais que os humanos antigos usaram para criar as primeiras peças de vestuário foram, provavelmente, aqueles que eles encontravam ao seu redor, como gramíneas trançáveis, folhas de plantas e peles de animais. Devido ao fato de tais materiais se decomporem com demasiada facilidade, é difícil determinar a época exata da criação da vestimenta. Pesquisas que estudam piolhos humanos sugerem que a vestimenta surgiu por volta de 650 mil anos atrás, enquanto outros estudos apontam uma origem estimada em 170 mil anos atrás. Tais períodos correspondem ao início ou ao final de uma era glacial, indicando que provavelmente a vestimenta se desenvolveu como uma maneira de lidar com climas mais frios. Os primeiros itens de vestuário eram, provavelmente, mais rudimentares em sua feitura, enrolados ao corpo e amarrados com alguma espécie de fibra. O desenvolvimento da agulha, por volta de 35 mil anos atrás, pelo Homo Sapiens, permitiu a criação de roupas mais complexas, trajes que podiam ser dispostos em camadas e ajustados para se adequarem a determinadas partes do corpo. Criou-se a hipótese de que tal tecnologia pode ter sido o que permitiu ao Homo Sapiens sobreviver aos Neandertais, que eram mais resistentes ao frio, não tendo desenvolvido o ímpeto de refinar suas habilidades em técnicas de corte e costura, necessárias para a produção de roupas que os aquecessem. Embora inicialmente as roupas tenham sido criadas por necessidade, desde então se tornaram muito mais do que um simples meio de adaptação ao ambiente. Ao longo da História foram usadas como proteção contra as interpéries, mas também como uma forma de transmitir informação não verbal, como sinalizar diferenças quanto a riqueza, classe, gênero ou pertencer a determinado grupo. 


Yiqing Yin pritemps 2014

1001 ideias que mudaram nossa forma de pensar p. 24. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Noções básicas de psicanálise II


Les Parisiens se sont déplacés en masse afin de rendre un dernier hommage à Victor Hugo, au pied de l’Arc de Triomphe voilé de crêpe noir. 22.Mai.1885. Image: CORBIS

Em 1885 Freud foi a Paris, onde estudou durante vários meses na clínica de Charcot.  Familiarizou-se com a hipnose como método de produção de sintomas histérico e de seu tratamento, e igualmente com a síndrome da histeria, tanto na forma grande como na petite, que Charcot delineara. Como outros neurologistas atualizados de seu tempo, Freud procurou banir os sintomas de seus pacientes pela sugestão hipnótica, com diferentes graus de êxito. Foi aproximadamente nesta época que seu amigo Breuer lhe contou uma experiência com uma paciente histérica que foi de crucial importância no desenvolvimento da psicanálise. O próprio Breuer era um médico clínico de talento considerável e com excelente formação em fisiologia. Entre outras coisas, colaborou na descoberta do reflexo respiratório conhecido como reflexo de Hering-Breuer, e introduziu o uso da morfina no edema pulmonar agudo. O que Breuer comunicou a Freud foi que vários anos antes tratara uma mulher histérica por hipnose e verificara que seus sintomas desapareceram quando ela foi capaz, em estado hipnótico, de recordar a experiência e a emoção associada que conduzira ao sintoma em questão, seus sintomas puderam ser afstados ao conversar sobre eles sob hipnose. Entusiasmado, Freud aplicou esse método no tratamento de seus pacientes histéricos com bons resultados. As consequências desse trabalho foram publicadas em colaboração com Breuer - 1895, sob a forma de artigos e, posteriormente, numa monografia. À medida que Freud prosseguiu na experiência, contudo verficou que a hipnose não era uniformimente fácil de se induzir, que os bons resultados tendiam a ser transitórios e que pelo menos algumas de suas pacientes tornaram-se sexualmente apegadas a ele durante o tratamento hipnótico. O que lhe era muito desagradável. A essa altura a lembrança de uma experiência do hipnotizador francês Bernheim veio em sua ajuda. Bernheim demonstrara a um grupo do qual Freud fazia parte que a amnésia de um paciente, durante suas experiências hipnóticas, podia ser removida sem voltar a hipnotizar o paciente, ao instá-lo a recordar aquilo que afirmava que não podia. Se a insistência era bastante persistente e poderosa, o paciente acabava por relembrar o que havia esquecido sem ser reipnotizado. Freud deduziu, com base nisso, que poderia ser capaz também de remover a amnésia histérica sem hipnose e começou a fazê-lo. A partir desse início, desenvolveu a técnica psicanálitica, cuja essência consiste em que o paciente empreende a comunicação ao psicanálista de quaisquer pensamentos, sem exceção, que lhe venham à mente abstendo-se de exercer sobre eles uma orientação consciente ou uma censura. 

Le Dr Charcot à la Salpêtrière 1887.

La leçon clinique à la Salpêtrière représente le neurologue Jean Martin Charcot lors d’une de ses leçons du mardi, examinant une patiente hystérique, Blanche Wittmann. Il est entouré d’un grand nombre de ses élèves et collaborateurs, dont Théodule Ribot, Paul Richer et Gilles de La Tourette. On y voit aussi Joseph Babinski, lequel recueille avec une sorte dévotion le corps pâmé de la patiente.

A razão do grande valor de o paciente necessitar renunciar ao controle consiente de seus pensamentos é esta, aquilo que o paciente pensa e diz sob tais circunstâncias é determinado  por motivos e pensamentos inconscientes. Assim, Freud, ouvindo as associações livres do paciente, que eram afinal livres apenas do controle consciente, era capaz de forma uma imagem, por inferência, do que inconscientemente estava ocorrendo na mente do paciente. Ele se encontrava, portanto, na posição única de poder estudar os processos mentais inconscientes do seu paciente e cuidadosa observação, foi que não somente os sintomas histéricos, mas também muitos outros aspectos normais e patológicos do comportamento e do pensamento, eram o resultado do que inconscientemente estava acontecendo na mente do indivíduo que os apresentava. No curso do estudo dos fenômenos mentais inconscientes, Freud cedo descobriu que estes poderiam ser divididos em dois grupos, o primeiro grupo comprendia pensamentos, lembranças, etc., que podiam facilmente se tornar conscientes por um esforço de atenção. Tais elementos psíquicos têm acesso fácil a consciência e Freud os chamou de pré-consciente e um dado momento, por exemplo, é pré-consciente tanto antes como após esse  momento particular. O grupo mais interessante dos fenômenos inconscientes, no entanto compreendia aqueles elementos psíquicos que podiam se tornar conscientes a custo de considerável esforço. Em outras palavras, ele eram barrados da consciência por uma força considerável, que tinha de ser superada antes que eles pudessem tornar-se conscientes. É o que encontramos, por exemplo, no caso da amnésia estérica. Foi para esse segundo grupo de fenômenos que Freud reservou o termo inconsciente no sentido mais estrito. Ele pôde demonstrar que o fato de serem inconscientes nesse sentido de forma alguma os impedia de exercer a mais significativa influência no funcionamento mental. Além disso, foi capaz de demonstrar que os processos inconscientes podem ser bastante comparáveis aos conscientes em precisão e complexidade. 


Kinetic Art and Sculpture

A evidência dessa espécie, que é da natureza de uma experiência, é proporcionada pelos fatos bem conhecidos da sugestão pós-hipnótica. Um paciente é hipnotizado e, durante o transe hipnótico, diz-se algo que ele deve fazer depois de sair do transe. Por exemplo, diz-se ao paciente, - Quando o relógio bater duas horas, você se levantará da cadeira e abrirá a janela. Antes de acordar, é dito também ao paciente que ele não se lembrará do que aconteceu durante o transe hipnótico, e então lhe é dito que acorde. Pouco depois que o paciente acorda, o relógio soa as duas horas e ele se levanta e abre a janela. Se lhe perguntarem então o por que o faz, ele dirá,- Não sei, tive vontade de fazê-lo, ou, mais comumente, fornecerá alguma racionalização, como, por exemplo, a de que sentia calor. O importante é que ele não está consciente no momento em que realiza a ação que o hipnotizador lhe ordenou, não sabe por que o fez e nem pode tornar-se consciente do motivo verdadeiro por um simples ato de memória ou de introspecção. Tal experiência mostra claramente que um processo mental verdadeiramente inconsciente, obediência, a uma ordem, nesse caso, pode ter um efeito dinâmico ou motor sobre o pensamento e o comportamento. 

Charles Brenner Noções básicas de psicanálise p.22. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Noções básicas de psicanálise


A psicanálise como qualquer outra doutrina científica, deu sua origem a certas teorias que se derivam de seus dados de observação e que procuram ordenar e explicar esses dados. Aquilo que chamamos de teoria psicanalítica é, portanto, um corpo de hipóteses a respeito do funcionamento e do desenvolvimento da mente no homem. É uma parte da psicologia geral e compreende aquelas que são, sem dúvida, as mais importântes contribuições que se realizaram até hoje em relação a psicologia humana. É importante compreender que a teoria psicanalítica se interessa tanto pelo funcionamento mental normal como pelo patológico. De forma alguma, constitui apenas uma teoria de psicopatologia. É verdade que a prática da psicanálise consiste no tratamento de pessoas que se acham mentalmente enfermas ou perturbadas, mas as teorias psicanalíticas se referem tanto ao normal quanto ao anormal, ainda que se tenham derivado essencialmente do estudo e do tratamento da anormalidade. Como em qualquer disciplina científica, as diversas hipóteses da teoria psicanalítica se relacionam mutuamente. Algumas, naturalmente, são mais fundamentais que outrras, algumas estão mais bem estabelecidas que outras, e algumas já tiveram grande comprovação e parecem ser tão fundamentais em sua significação, que nos inclinamos a considerá-las como leis estabelecidas a respeito da mente. Duas dessas hipóteses fundamentais, que foram copiosamente confirmadas,  são o princípio do determinismo psíquico, ou da causalidade, e a proposição de que a consciência é antes um atributo exepcional do que um atributo comum dos processos psíquicos. Para expressar esta última afirmação em palavras algo diferentes, podemos dizer que, de acordo com a teoria psicanalítica, os processos mentais inconscientes são de grande frequência e significado no funcionamento mental normal, bem como no anormal. O princípio do determinismo psíquico, o sentido deste princípio é o de que na mente, assim como na natureza física que nos cerca, nada acontece por acaso ou de modo fortuito. Cada evento psíquico é determinado por aqueles que o precederam. Os eventos em nossas vidas mentais que podem parecer fortuitos ou não relacionados com os fenômenos mentais, os são apenas na aparência. Na realidade , os fenômenos mentais são tão incapazes de tal falta de conexão causal com os que os precederam quanto os fenômenos físicos. Nesse sentido não existe descontinuidade na vida mental. A compreensão e a aplicação desse princípio são essenciais para uma orientação apropriada no estudo da psicologia humana, tanto nos seus aspectos normais como nos patológicos. Se o compreendemos e aplicarmos corretamente, jamais admitiremos qualquer fenômeno psíquico como sem significação ou como acidental. Deveremos sempre nos perguntar, em relação a qualquer fenômeno no qual estejamos interessados. Que os provocou? Por que aconteceu assim? Formulamos essas perguntas por estarmos certos de que existe uma resposta para elas. Se podemos encontrar a resposta com rapidez e facilidade, isso naturalmente já é outra coisa, mas sabemos que a resporta existe. Esquecer ou perder alguma coisa, por exemplo, é uma experiência comum na vida quotidiana. A idéia habitual de tal ocorrência é a de que constitui uma casualidade, a de que isso apenas aconteceu.  No entanto, uma completa investigação de muitas dessas casualidades realizada por psicanalistas nos últimos anos, a começar pelos estudos do próprio Freud, mostrou que de modo algum elas são tão acidentais quanto o julgamento popular as considera. Pelo contrário, pode-se demonstrar que cada uma dessas casualidades foi provocada por um desejo ou intenção da pessoa envolvida, em estrita conformidade com o princípio do funcionamento mental que estamos examinando. 

Sigmund Freud 

Para dar outro exemplo no âmbito da vida quotidiana Freud descobriu, e os analistas que o seguiram confirmaram, que as manifestações comuns do sono, que chamamos de sonhos, ainda que notáveis e misteriosas, seguem o mesmo princípio do determinismo psíquico. Cada sonho, e mesmo cada imagem em cada sonho, é a consequência de outros eventos psíquicos e cada um mantém uma relação coerente e significativa com o restante da vida psíquica da pessoa que sonha. Ao voltarmos aos fenômenos da psicopatologia, devemos esperar que o mesmo princípio seja aplicado, e sem dúvida os psicanalistas confirmaram reiteradamente nossa expectativa. Cada sintoma neurótico, qualquer que seja sua natureza, é provocado por outros processos mentais, apesar do fato de que o próprio paciente frequêntemente considere o sintoma como estranho a seu ser como um todo, e completamente desligado do resto de sua vida mental. Contudo, as conexões existem e são demosntráveis, apesar de o paciente não se dar conta de sua presença. Nesse ponto, não podemos deixar de reconhecer que estamos falando não só a respeito da primeira de nossas hipóteses fundamentais, o princípio do determinismo psíquico, mas também a respeito da segunda, isto é, a da existência e significado de processos mentais dos quais o indivíduo não se dá conta ou é inconsciente. De fato, a relação entre essas duas hipóteses é tão íntima que dificilmente se pode examinar uma sem suscitar a outra. É exatamente o fato de tantas coisas que acontecem em nossa mente serem inconscientes, isto é,  desconhecidas para nós, que responde pelas aparentes descontinuidades em nossa vida mental. Quando um pensamento, um sentimento, um esquecimento acidental, um sonho ou um sintoma parecem não se relacionar com algo que aconteceu antes na mente, isso significa que sua conexão causal se apresenta em algum processo mental inconsciente, em vez de num processo consciente. Se se pode descobrir a causa ou causas inconscentes, então todas as descontinuidades, aparentes desaparecem e a cadeia causal ou sequência, torna-se clara. Um exemplo simples disso seria o seguinte. Uma pessoa pode se surpreender cantarolando uma melodia sem ter nenhuma idéia de como ela lhe veio à mente. No entanto, essa aparente descontinuidade na vida mental dessa pessoa se resolve, neste exemplo particular, pelo testemunho de um espectador que nos afirma que a referida melodia foi ouvida pela pessoa em questão poucos momentos antes de haver penetrado em seus pensamentos conscientes, como se não tivesse vindo de parte alguma. Foi uma impressão sensorial neste caso auditíva, que compeliu a pessoa a contarolar a melodia. Visto que subjetiva foi a de uma descontinidade em seus pensamentos, sendo necessário o testemunho do espectador para remover a aparência de descontinuidade e tornar clara a cadeia causal. É certamente raro, no entanto, que um processo mental inconsciente seja descoberto tão simples e convenientemente como no exemplo citado. Naturalmente, deseja-se saber se existe um método geral para descobrir processos mentais dos quais o próprio indivíduo não se dá conta. Podem eles, por exemplo, ser observados diretamente? Caso contrário, como pôde Freud descobrir a frequência e a importância de tais processos em nossa vida mental? 


O fato é que ainda não dispomos de um método que nos permita observar diretamente os processos mentais inconscientes. Todos os nossos métodos para estudar tais fenômenos são indiretos. Eles nos permitem inferir a existência desses fenômenos e muitas vezes determinar sua natureza e seu significado na vida mental do indivíduo que é objeto de nosso estudo. O método mais eficiente e de maior confiança de que dispomos para estudar os processos mentais inconscientes é a técnica que Freud desenvolveu durante vários anos. Freud denominou está técnica de pscanálise pela simples razão de ter sido capaz, com sua ajuda, de discernir e descobrir os processos psíquicos que, de outra forma, teriam permanecido ocultos e insuspeitados. Foi durate os anos em que desenvolveu a técnica da pscanálise que Freud se aparcebeu, com a ajuda da sua nova técnica, da importância dos processos mentais inconscientes da vida psíquica de todo indivíduo, quer mentalmente enfermo ou são. 

Charles Brenner Noções básicas de psicanálise p.17.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

ENSINAR EXIGE COMPROMETIMENTO


Colunas na entrada do Instituto de Educação Flores da Cunha Porto Alegre 1936

Outro saber que devo trazer comigo e que tem que ver com quase todos os de que tenho falado é o de que não é possível exercer a atividade do magistério como se nada ocorresse conosco. Como impossível seria sairmos na chuva e não nos molhar. Não posso ser professor sem me pôr diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar a apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo. Se perguntado por um aluno sobre o que é tomar distância epstemológica do objeto, lhe respondo que não sei, mas que posso vir a saber, isso não me da autoridade de quem conhece, me dá a alegria de, assumindo minha ignorância, não ter mentido. Então não ter mentido abre para mim junto aos alunos um crédito que devo preservar. Eticamente impossível teria sido dar uma resposta falsa, um palavreado qualquer. Um chute, como se diz popularmente. Mas, de um lado, precisamente porque a prática docente, sobretudo como a entendo, me coloca a possibilidade que devo estimular de perguntas várias, preciso me preparar ao máximo para, de outro, continuar sem mentir aos alunos, de outro, não ter de afirmar seguidamente que não sei. Saber que não posso passar despercebido pelos alunos, e que a maneira como me percebam me ajuda ou desajuda no cumprimento de minha tarefa  de professor, aumenta em mim os cuidados com o meu desempenho. Se minha opção é democrática, progressista, não posso ter uma prática reacionária, autoritária, elitista. Não posso discriminar o aluno em nome de nenhum motivo. A percepção que o aluno tem de mim não resulta exclusivamente de como atuo, mas também de como o luno entende como atuo. Evidentemente, não posso levar meus dias como professor a perguntar aos alunos o que acham de mim ou como me avaliam. Mas devo estar atento à leitura que fazem de minha atividade com eles. Precisamos aprender a significação de um silêncio, ou de um sorriso ou de uma retirada da sala. O tom menos cortês com que foi feita uma pergunta. Afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido. interpretado, escrito e reescrito.Neste sentido, quanto mais solidariedade exista entre o educador e educandos no trato deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola. 


A esquerda vista parcial do Colégio Estadual Júlio de Castilhos a direita Monumento a Bento Gonçalves Porto Alegre 1958 Foto Antônio Ronek 


Em 29 de junho de 1958 é inaugurada a primeira parte do novo prédio na Av. Piratini, nº 76.  O gigante de arquitetura modernista projetado por Demétrio e Enilda Ribeiro tem sua estrutura sustentada por pilares e paredes envidraçadas o que lhe confere certa leveza. O amplo saguão iluminado integra o colégio ao espaço da cidade. A mesma função cumprem as largas sacadas que se estendem ao longo dos três andares. A praça, as ruas e prédios em volta parecem fazer parte do ambiente do colégio.O próprio arquiteto referiu que ao pensar uma escola, ele deveria pensar o mundo da cultura e da produção da cultura e esta não poderia ser produzida fora da realidade, portanto as antigas escolas voltadas para dentro de seus muros e pátios como eram comuns, não serviam e que ao pensar o Julio ele disse que a Escola deveria ser voltada para fora, pois ao preparar pessoas e cidadãos eles seriam agentes de transformação e só poderiam atuar na realidade se a conhecessem e também aberta para que o mundo entrasse por suas aberturas, sacadas e janelas o que impediria que seus usuários parassem no tempo e cristalizassem suas opiniões, pois o mundo estaria na porta da sala de aula exigindo mudanças. Marion Michalski

Creio que nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em face da esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da educação. Desse ponto de vista que é reacionário, o espaço pedagógico, neutro por exelência, é aquele em que se treinam os alunos para práticas apolíticas, como se a maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma maneira neutra. Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença em si política. Enquanto presença não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos aluos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho. 

Paulo Freire Pedagogia da autonomia p. 95. 

domingo, 21 de outubro de 2018

Chegando ao Inconsciente

Carl Gustav Jung

Um homem sonha que enfiou uma chave numa fechadura, ou que está empunhando um pesado pedaço de pau, ou que está forçando uma porta com uma aríete. Cada um destes sonhos pode ser considerado uma alegoria, um símbolo sexual. Mas o fato de o inconsciente ter escolhido, por vontade própria, uma destas imagens específicas, a chave, o pau, ou o aríete, é também de maior significação.  A verdadeira tarefa é compreender por que a chave foi escolhida em lugar do pau,  ou por que o pau  em lugar do aríete. E vamos algumas vezes descobrir que não é ato sexual que ali está representado mas algum aspecto psicológico inteiramente diverso. Concluí, seguindo está linha de racioncínio, que só o material que é parte clara e visível de um sonho pode ser utilizado para a sua interpretação. O sonho tem seus próprios limites. Sua própria forma específica  nos mostra o que a ele pertence e o que dele se afasta. Enquanto a livre associação, numa espécie de linha ziguezague, nos afasta do material original do sonho, o método que desenvolvi se assemelha mais a um movimento circunvolutório cujo centro é a imagem do sonho. Trabalho em redor da imagem do sonho e desprezo qualquer tentativa do sonhador para dela escapar. Inúmeras vezes, na minha atividade profissional, tive de repetir a frase, - Vamos voltar ao seu sonho.  O que dizia o sonho? Um paciente meu, por exemplo, sonhou com uma mulher desgrenhada, vulgar e bêbada. No sonho parecia ser a sua própria mulher, apesar de estar casado, na vida real, com pessoa inteiramente diferente. Aparentemente, portanto, o sonho era de uma falsidade chocante e o paciente logo o rejeitou como uma fantasia tola. Se, como médico, eu tivesse iniciado um processo de associação, ele inevitavelmente teria tentado afastar-se o mais possível da desagradável sugestão do sonho. Neste caso, teria acabado por chegar a um dos seus complexos básicos, complexo que, possivelmente, nada teria a ver com sua mulher. E nada saberiamos então a respeito do significado especial daqule determinado sonho. 


Dreams Akira Kurosawa Official Trailer 1990

O que queria, então, o seu inconsciente transmitir com aquela declaração obviamente inverídica? De uma certa forma, expressava claramente a idéia de uma mulher degenerada, intimamente ligada à vida do sonhador. Mas desde que a imagem era realmente inexata e não havia justificativa na sua projeção sobre a mulher do meu paciente, eu precisava procurar noutro lugar o que representaria aquela figura repulsiva. Na Idade Média, muito antes de os filósofos terem demostrado que trazemos em nós, devido a nossa estrutura glandular, ambos os elementos, o masculino e o feminino, dizia-se que todo homem traz dentro de si uma mulher. É a este elemento feminino, que há em todo homem, que chamei de anima. Este aspecto feminino é, essencialmente, uma certa maneira, inferior, que tem o homem de se relacionar com o seu ambiente e sobretudo com as mulheres, e que ele esconde tanto das outras pessoas quando dele mesmo. Em outras palavras, apesar de a personalidade visível do indivíduo parecer normal, ele poderá estar escondendo dos outros, e mesmo dele próprio, a deplorável condição da sua mulher interior. 

O homem e seus símbolos Carl G. Jung p.29. 

Controle do fogo

Sarnico Busker Festival

O controle do fogo foi um marco na cultura humana antes do Homo sapiens moderno. Nesta época, as pessoas obtinham fogo de fontes naturais, só mais tarde criando uma variedade de métodos artificiais para gerá-lo. A habilidade de criar, controlar e usar o fogo permanece essencial à civilização humana. A primeira exposição destes humanos antigos ao fogo provavelmente veio de queimadas em florestas causadas por raios ou trovões. Apesar de destrutivo e potencialmente letal, o fogo permitiu um acesso rápido às ferramentas, embora não fosse uma força que pudesse ainda ser controlada, muito menos criada quando desejada. Há evidências de que cerca de 1,6 milhões de anos atrás grupos de Homo erectus já tinham algum controle sobre o manuseio do fogo e entre 400000 e 25000 a.C. há indícios claros de que o Homo erectus podia controlar e provavelmente até criar fogo. Por volta de 125000 a.C., logo após o surgimento do Homo sapiens moderno, o uso, o controle e criação do fogo por humanos eram amplamente difundidos. O domínio humano do fogo teve impacto imediato e profundo em nossa evolução. O fogo concedeu aos humanos proteção contra animais selvagens, permitiu-lhes extinguir a escuridão, forneceu aquecimento para se protegerem do frio, introduziu a possibilidade de cozinhar a comida e serviu como um repelente eficaz contra insetos e pestes. O fogo é tão útil na preparação de comida que o homem foi o único animal que pôde prosperar nutricionalmente devido ao fato de poder comer alimentos cozidos, e não apenas crus. A importancia do fogo na cultura é tão macante que a própria palavra se tornou uma metáfora ubíqua para descrever ideias como amor romântico, conflito, destruição e desejo intenso. 


Photo Burning Man Festival 

Os chineses utilizam uma tabuleta de jade vemelho, chamada Chang, que se utiliza nos rituais solares e simboliza  elemento fogo. Em relação com este sentido solar da chama, aparece o fogo, nos hieróglifos egípcios, como associado à ideia de vida e saúde, calor do corpo. Também, e isto já indica uma transposição do símbolo para uma energética espiritual, para a ideia de superioridade e comando. Os alquimistas conservavam em especial o sentido dado por Heraclito, ao fogo, como agente de transformação, pois todas as coisas nascem do fogo e a ele voltam. É o germe que se reproduz nas vidas sucessivas, associação à líbido e a fecundidade. Neste sentido de mediador entre formas e desaparecimento e formas em criação, o fogo é assimilado à àgua, e é também um símbolo de transformação e regeneração. Para a maior parte dos povos primitivos,  o fogo é um demiurgo e provém do sol. É a sua representação sobre a terra, por isso, relaciona-se, por um lado, com o raio e o relâmpago. Por outro, com o ouro. Há muitos rituais em que as tochas, fogueiras, brasas e até cinzas se consideram com virtude para provacar o crescimento das colheitas e o bem-estar de homens e animais. No entanto, as investigações antropológicas deram duas explicações dos festivais ígnicos, perpetuados nas fogueiras de São João, nos fogos de artifício, na árvore de Natal iluminada, magia imitativa destinada a assegurar a abundância de luz e calor no sol ou finalidade purificatória e destruição das forças do mal, mas as duas hipóteses não são contrárias mas sim complementares. O fogo é a imagem arquétipo do fenomênico em si. Atravessar o fogo é símbolo de transceder a condição humana, segundo Eliade em Mitos, sonhos e mistérios (Buenos Aires, 1961). 

Dicionário dos símbolos Juan Eduardo Cirlot p. 171.  
1001 ideias que mudaram nossa forma de pensar p.22.

Cannibalism

Maori People New Zeland Photo by Jimmy Nelson

As evidências mais antigas de canibalismo advém de ossos esquartejados encontrados na caverna Grand Dolina, na Espanha, datando de 800000 a.C. Tais ossos sugerem que a prática existia entre membros das primeiras espécies humanas de que se tem notícia na Europa Ocidental, os Homo antecessor, e descobertas similaares de períodos posteriores mostram que o canibalismo continuou com o aparecimento do Homo Sapiens e outras espécies humanas. Existem várias teorias a respeito do surgimento do canibalismo. Uma hipótese sugere que pode ter sido resultado de escassez de comida, outra que pode ter funcionado como forma de controle predadores, limitando o acesso de predadores à carne humana, e portanto o gosto por ela. O canibalismo continua nos tempos modernos, na África Ocidental e Central, nas ilhas do Pacífico, Austrália, Sumatra, América do Norte e América do Sul. 


The Silence of the Lambs Official Trailer 1991

Em algumas culturas a carne humana era tida simplesmente como mais um tipo de carne. Em outras, era uma iguaria para ocasiões especiais. Os maioris, na Nova Zelândia, se deliciavam com os inimigos mortos em combate. Na África, determinados órgãos humanos eram cozidos em ritos de bruxaria, pois xamãs acreditavam que as fraquezas e as virtudes da vítima eram tranferidas àqueles que comiam a sua carne. Na América do Norte presume-se que os astecas sacrificavam prisioneiros de guerra para seus deuses e então comiam eles mesmos a sua carne.Aborígines australianos comiam seus parentes falecidos, endocanibalismo, como forma de demosntrar respeito. A colonização destas regiões entre os séculos XV e XIV por critãos europeus tranformou o canibalismo num tabu. No entanto, ele ainda ocorre ocasionalmente em circunstâncias extremas.

1001 ideias que mudaram nossa forma de pensar p.22. 

sábado, 20 de outubro de 2018

É bom viver tanto tempo assim?


Progresso e perfectibilidade. Um caso particular do progresso é a longevidade. O homem nunca viveu tanto tempo. Uma das coisas mais certas que podemos ter em mente é que, salvo suicidas e melancólicos profundos, todo mundo faz qualquer negócio para viver mais. Mesmo os que se dizem espiritualizados. Aliás, essa é uma das razões pelas quais quase 101% das pessoas colaboram com regimes assassinos. Então a história provou que a ciência estava certa que Francis Bacon tinha razão, e que, se parássemos de perguntar coisas escolásticas, inúteis, e atássemos a natureza em laboratórios, conseguiríamos inventar aviões, antibióticos e nanotecnologia. Deu certo. Como na vida real inventaram-se soluções para problemas que criam novos problemas, com a medicina moderna descobrimos que os idosos não servem para muita coisa, ainda mais quando são muitos e pobres. No mundo contemporâneo, as coisas só funcionam quando viram nicho de mercado, veja a revoução gay, fruto da publicidade norte-americana que descobriu que eles eram um nicho de gente com grana, bem preparada e sem filhos - heteros são pobres, porque tem filhos - e que, portanto, deveriam ser respeitados porque compram.  Quando idosos conseguem se impor como consumidores, aí ficam bonitinhos, afora isso, só quando alguém precisar dar um toque de tradição para marca de café. Eis que a longevidade está aí. Vive-se muito, e uma das primeiras coisas que os governos têm de fazer é adiar a aposentadoria, porque ao lado da longevidade está a infertilidade das mulheres seculares, o que gera o famos problema da previdência, não tem jovem bastante para bancar tanto idoso querendo ser feliz. Afora essa questão de gestão, a longevidade cria outros traumas. Como os vínculos são cada vez mais efêmeros entre as pessoas, e a atomização é crescente, a tendência é a solidão ser a outra face da longevidade. Pessoas vejetam em suas casas, quando têm casas, ou abrem-se novas casas de repouso. Claro, existe até uma nova ciência, gerontologia. 


Amour French Official Trailer 2012

Nunca estivemos tão longe do valor dos idosos, ao contrário, os jovens, com sua inexperiência, arrogância e seu conhecimento de iPhone, são a referência dos mais velhos. O mais ridículo é que, ao lado da longevidade técnica alcançada, foi o apodrecimento, e não o amadurecimento, que se instalou como marca do envelhecimento no mundo contemporâneo. Não se amadurece, perde-se o prazo de validade, mesmo com saúde. Longevos correm o risco de um dia parecerem um bando de zumbis, sem lugar num mundo em que, ao mesmo tempo que você pode viver noventa anos com alguma saúde, você já começa a envelhecer aos 25, desesperado por causa do colesterol, da estría e das rugas. 

Luiz Felipe Pondé Filosofia para corajosos p. 183.

Feminismo e Subversão da Identidade

Pussy Riots Nadia Tolokonnikova on Her New Anti-Trump

Os debates feministas contemporâneos sobre os significados do conceito de gênero levam repetidamente a uma certa sensação de problema, como se sua indeterminação pudesse culminar finalmente num fracasso do feminismo. Mas problema talvez não precise ter uma valência tão negativa. No discurso vigente na minha infância, criar problema era precisamente o que não se devia fazer, pois isso traria problemas para nós. A rebeldia e sua repressão paraciam ser aprendidas nos mesmos termos, fenômeno que deu lugar a meu primeiro discernimento crítico da artimanha sutil do poder. A lei dominante ameaçava com problemas, ameaçava até nos colocar em apuros, para evitar que tivéssemos problemas. Assim, concluí que problemas são inevitáveis e nossa incumbência é descobrir a melhor maneira de criá-los, a melhor maneira de tê-los. Com o passar do tempo, outras ambiguidades alcançaram o cenário crítico. Observei que os problemas algumas vezes exprimiam, de maneira eufemística, algum misterioso problemas fundamental, geralmente relacionado ao pretenso mistério do feminismo. Li Beauvoir, que explicava que ser mulher nos termos de uma cultura masculinista é ser um a fonte de mistério e de incognoscibilidade para os homens, o que apareceu confirmar-se de algum modo quando li Satre, para quem todo desejo, problematicamente presumido como heterosexual e masculino, era definido como problema. Para esse sujeito masculino do desejo problema tornou-se escândalo com a intrusão repentina, a intervenção não antecipada, de um objeto feminino que devolvia inexplicavelmente o olhar, revertida a mirada, e contestava o lugar e autoridade da posição masculina. A dependência radiacal do sujeito masculino diante do Outro feminino expôs repentinamente o caráter ilusório de sua autonomia. Contudo, essa reviravolta dialética do que uma permuta entre sujeitos ou uma relação de inversão constante entre um sujeito e um Outro. Na verdade, o poder parecia operar na própria produção dessa estrutura binária em que se pensa o conceito de gênero. Perguntei-me então, que configuração de poder constrói o sujeito e o Outro, essa relação binária entre homens e mulheres, e a estabilidade interna desses termos? Que restrição estaria operando aqui? Seriam esses termos tão problemáticos apenas na medida em que se conformam a uma matriz heterossexual de conceituração do gênero e do desejo? O que acontece ao sujetio e à estabilidade das categorias de gênero quando o regime epistemológico da presunção da heterossexualidade é desmarcarado, explicitando-se como produtor e reificador dessas catergorias ostensivamente ontológicas? Mas como questionar um sistema epistemológico/ontológico? Qual a melhor maneira de problematizar as categorias de gênero que sustentam a hierarquia dos gêneros e a heterossexualidade compunsória? Considere o fardo dos problemas de mulher, essa configuração histórica de uma indisposição feminina sem nome, que mal disfarça a noção de que ser mulher é uma indisposição natural. 


Hairspray Official Video 2007

Por mais séria que seja a medicalização dos corpos das mulheres, o termo também é risível, e rir de categorias sérias é indispensável para o feminismo. Sem dúvida, o femininismo continua a exigir formas próprias de seriedade. Problemas femininos é também o título do filme de John Waters estrelado por Divine, que é herói/heroína de Hairspray. Éramos todos jovens, cuja personificação de mulheres sugere implicitamente que o gênero é uma espécie de imitação persistente, que passa como real. A performance dela/dele desestabiliza as próprias distinções entre natural e artificial, profundidade e superfície, interno e externo, por meio das quais operam quase sempre os discursos sobre gênero. Seria a drag uma imitação de gênero, ou dramatizaria os gestos significantes mediante os quais o gênero se estabelece? Ser mulher constituiria um fato natural, ou uma performance cultural, ou seria a naturalidade constituída mediante atos performativos discursivamente compelidos, que produzem o corpo no interiror das categorias de sexo e por meio delas? Contudo, as práticas de gênero de Divine nos limites das culturas gay e lésbica tematizam frequentemente o natural em contextos de paródia que destacam a contrução performativa de um sexo original e verdadeiro. Que outras categorias fundacionais da indentidade, identidade binária de sexo, gênero e corpo, podem ser apresentadas como produções a criar o efeito do natural, original e inevitável? 


Explicar as categorias fundacionais do sexo, gênero e desejo coo efeitos de uma formação específica de poder supõe uma forma de investigação crítica, a qual Foucault, reformulando Nietzsche, chamou de genealogia. A crítica genealógica recusa-se a buscar as origens do gênero, a verdade íntima do desejo feminino, uma identidade sexual genuína ou autêntica que a repressão impede de ver, em vez disso, ela investiga as apostas políticas, designando como origem e causa categorias de identidade que, na verdade, são efeitos de intituições, práticas e discursos cujos pontos de origem são múltiplos e difusos. A tarefa dessa investigação é centrar-se, e descentrar-se, nessas intituições definidoras, o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória. A genealogia toma como foco o gênero e a análise relacional por este sugerida justamente porque o feminino já não parece mais uma noção estável, sendo o seu signicado tão problemático e errático quanto o significado de mulher, e também porque ambos os temos ganham esse significado problemático apenas como termos relacionais. Além disso, não é mais certo que a teoria feminista deva tentar resolver as questões da identidade primária para dar continuidade à tarefa política. Em vez disso, devermos nos perguntar, que possibilidades políticas são consequência de uma crítica radical das categorias de identidade? Que formas novas de política surgem quando a noção de identidade como base comum já não restringe o discurso sobre políticas feministas? E até que ponto o esforço para localizar uma identidade comum como fundamento para uma política feminista impede uma investigação radical sobre as construções e as normas políticas da própria identiade? 


Judith Butler is an American philosopher

Problemas de gênero feminismo e subersão da identidade Judith Butler p.7. 

Não há segredos

Peter Brook

Há um momento em que não se pode continuar dizendo não. No decorrer dos anos, quando as pessoas me perguntavam - Podemos vir e assistir a um de seus ensaios?, eu respondia - Não. Sinto-me compelido a fazer isso por causa de certas experiências negativas. Bem no começo, eu deixava que visitantes viessem aos ensaios. Permiti que um quieto e modesto estudante se sentasse discretamente no fundo do auditório durante os ensaios de uma peça de Shakespeare Ele não era um problema, mal notei sua existência até o dia em que encontrei no bar de um pub local explicando aos atores como eles deveriam atuar suas cenas. Apesar dessa experiência, alguns anos mais tarde, permiti a um autor respeitável observar o processo, uma vez que me convencera de que isso seria importante para sua própria pesquisa. Minha única condição era a de que ele não publicasse nada sobre o que testemunhou. Apesar de sua promessa, surgiu um livro repleto de impressões inexatas, traindo o essencial laço de confiança que é a base para que ator e diretor trabalherm juntos. Mais tarde, quando eu estava apresentando uma peça pela primeira vez na França, descobri que era bastante normal que o proprietário do teatro viesse ao espetáculo com seus amigos ricos, em casacos de pele e joias, e conversassem animadamente, observando essas estranhas e engraçadas criaturas chamadas atores, não hesitando em fazer comentários barulhentos e frequentemente sarcásticos sobre o que viram. 

William Nadyla, Rikki Henry, Nonhlanhla Kheswa in Adelaide for the Australian premiere of Peter Brook's production of The Suit

Nunca mais! jurei. E, com o passar dos anos, cada vez mais vejo quão importante é para os atores que são naturalmente medrosos e hipersensíveis, saberem que estão totalmente protegidos pelo silêncio, intimidade e privacidade.Quando se tem essa segurança, é possível a cada dia experimentar, errar, ser todo, ter a certeza de que fora dessas quatro paredes ninguém jamais saberá, e a partir desse ponto se começa a encontrar força que o ajuda a se abrir, tanto para si mesmo quanto para os outros. Percebi que a presença até mesmo de uma única pessoa em algum lugar no escuro atrás de mim é uma distração contínua e fonte de tensão. Um observador pode até ser uma tentação para que o diretor se exiba, intervenha onde deveria ficar calado, por medo de parecer ineficiente, desapontando assim o visitante. Essa é a razão pela qual tenho sempre negado os constantes pedidos para se observar nosso trabalho. Embora eu entenda o quanto as pessoas querem saber o que acontece lá, o que nós realmente fazemos...

Não há segredos reflexões sobre atuação e teatro Peter Brook p. 79,80. 

O juizo final

Muitas semanas se passaram e as ondas agitadas da vida se fecharam sobre o frágil esquife de Eva. As necessidades cotidianas não respei...