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sábado, 27 de outubro de 2018

O Determinismo Geográfico

Family from Nuatak Alaska 

O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. São explicações existentes desde a Antiguidade, do tipo das formuladas por Pollio, Ibn Khaldun, Bodin e outros. Estas teorias, que foram desenvolvidas principalmente por geógrafos no final do século XIX e no início do século XX, ganharam uma grande popularidade. Exemplo significativo deste tipo de pensamento pode ser encontrado em Hutington, em seu livro Civilization and Climate 1915, no qual formula uma relação entre a latitude e os centros de civilização, considerando o clima como fator importante na dinâmica do progresso. A partir de 1920, antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre outros, refutaram este tipo de determinismo e demonstraram que existe uma limitação na influência geográfica sobre os fatores culturais. E mais, que é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico. Tomemos, como primeiro exemplo, os lapões e os esquimós. Ambos habitam a calota polar norte, os primeiros no norte da Europa e os segundos no norte da América. Vivem, pois, em ambientes geográficos muito semelhantes, caracterizados por um longo e rigoroso inverno. Ambos têm ao seu dispor flora e fauna semelhantes. Era de esperar, portanto, que encontrassem as mesmas respostas culturais para a sobrevivência em um ambiente hostil. Mas isto não ocorre. Os esquimós constroem suas casas, iglus, cortando blocos de neve e amontoando-os num formato de colmeia. Por dentro a casa é forrada com peles de animais e com o auxílio do fogo conseguem manter o seu interior suficientemente quente. É possível, então, desvencilhar-se das pesadas roupas, enquanto no exterior da casa a tempertatura situa-se a muitos graus abaixo de zero grau centígrado. Quando deseja, o esquimó abandona a casa tendo que carregar apenas os seus pertences e vai construir um novo retiro. Os lapões por sua vez, vivem em tendas de peles de rena. Quando desejam mudar os seus acampamentos, necessitam realizar um árduo trabalho que se inicia pelo desmonte, pela retirada do gelo que se acumulou sobre as peles, pela secagem das mesmas e o seu transporte para o novo sítio. Em compensação, os lapões são excelente criadores de renas, enquanto tradicionamente os esquimós limitam-se à caça desses mamíferos. A aparente pobreza glacial não impede que os esquimós tenham uma desenvolvida arte de esculturas em pedra-sabão e nem que resolvam os seus conflitos com uma sofisticada competição de canções entre os competidores. Um segundo exemplo, transcrito de Felix Keesing, é a variação cultural observada entre os índios do sudoeste norte-americano. 

Los Navajo

Os índios Pueblo e Navajo, do sudoeste americano, ocupam essencialmente o mesmo habitat, sendo que alguns índios Pueblo até vivem hoje em bolsões dentro da reserva Navajo. Os grupos Pueblo são aldeões, com uma economia agrícula baseada principalmente no milho. Os Navajo são descendente de apanhadores de víveres, que se alimentavam de castanhas selvagens, sementes de capins e de caça, mais ou menos como os Apache e outros grupos vizinhos têm feito até os tempos modernos. Mas, obtendo ovinos dos europeus, os Navajo são hoje mais pastoreadores, vivendo espalhados com seus rebanho em grupos de famílias. O espírito criador do homem pode assim envolver três alternativas culturais bem diferentes, apanha de víveres, cultivo, pastoreio, no mesmo ambiente natural, de sorte que não foram fatores de habitat que proporcionaram a determinante principal. Posteriormente, no mesmo habitat, colonizadores americanos tiveram que criar outros sistemas de vida baseados na pecuária, na agricultura irrigada e na urbanização.

Foto Ricardo Stukert

O terceiro exemplo pode ser encontrado no interior de nosso país, dentro dos limites do Parque Nacional do Xingu. Os xinguanos propriamente ditos, Kamayurá, Kalapalo, Trumai, Waurá etc., desprezam toda a reserva de proteinas existentes nos grandes mamíferos, cuja caça lhes é interditada por motivos culturais, e se dedicam mais intensamente à pesca e à caça de aves. Os Kayabi, que habitam o Norte do Parque, são excelentes caçadores e preferem justamente os mamíferos de grande porte, como a anta, o veado, o caititu etc. Estes três exemplos mostram que não é possível admitir a ideia do determinismo geográfico, ou seja, a admissão da ação mecânica das forças naturais sobre uma humanidade puramente receptiva. A posição da moderana antropologia é que a cultura age seletivamente,e não casualmente, sobre seu meio ambiente, explorando determinadas possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura. As diferenças existentes entre os homens, portanto, não podem ser explicadas em termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações. Um animal fragil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem asas, dominou os ares, sem guelras ou membranas próprias, conquistou os mares. Tudo isto porque diferente dos outros animais por ser o único que possui cultura. Mas que é cultura? 


Roque de Barros Laraia Cultura um conceito antropológico p. 25.

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