Um homem sonha que enfiou uma chave numa fechadura, ou que está empunhando um pesado pedaço de pau, ou que está forçando uma porta com uma aríete. Cada um destes sonhos pode ser considerado uma alegoria, um símbolo sexual. Mas o fato de o inconsciente ter escolhido, por vontade própria, uma destas imagens específicas, a chave, o pau, ou o aríete, é também de maior significação. A verdadeira tarefa é compreender por que a chave foi escolhida em lugar do pau, ou por que o pau em lugar do aríete. E vamos algumas vezes descobrir que não é ato sexual que ali está representado mas algum aspecto psicológico inteiramente diverso. Concluí, seguindo está linha de racioncínio, que só o material que é parte clara e visível de um sonho pode ser utilizado para a sua interpretação. O sonho tem seus próprios limites. Sua própria forma específica nos mostra o que a ele pertence e o que dele se afasta. Enquanto a livre associação, numa espécie de linha ziguezague, nos afasta do material original do sonho, o método que desenvolvi se assemelha mais a um movimento circunvolutório cujo centro é a imagem do sonho. Trabalho em redor da imagem do sonho e desprezo qualquer tentativa do sonhador para dela escapar. Inúmeras vezes, na minha atividade profissional, tive de repetir a frase, - Vamos voltar ao seu sonho. O que dizia o sonho? Um paciente meu, por exemplo, sonhou com uma mulher desgrenhada, vulgar e bêbada. No sonho parecia ser a sua própria mulher, apesar de estar casado, na vida real, com pessoa inteiramente diferente. Aparentemente, portanto, o sonho era de uma falsidade chocante e o paciente logo o rejeitou como uma fantasia tola. Se, como médico, eu tivesse iniciado um processo de associação, ele inevitavelmente teria tentado afastar-se o mais possível da desagradável sugestão do sonho. Neste caso, teria acabado por chegar a um dos seus complexos básicos, complexo que, possivelmente, nada teria a ver com sua mulher. E nada saberiamos então a respeito do significado especial daqule determinado sonho.
Dreams Akira Kurosawa Official Trailer 1990
O que queria, então, o seu inconsciente transmitir com aquela declaração obviamente inverídica? De uma certa forma, expressava claramente a idéia de uma mulher degenerada, intimamente ligada à vida do sonhador. Mas desde que a imagem era realmente inexata e não havia justificativa na sua projeção sobre a mulher do meu paciente, eu precisava procurar noutro lugar o que representaria aquela figura repulsiva. Na Idade Média, muito antes de os filósofos terem demostrado que trazemos em nós, devido a nossa estrutura glandular, ambos os elementos, o masculino e o feminino, dizia-se que todo homem traz dentro de si uma mulher. É a este elemento feminino, que há em todo homem, que chamei de anima. Este aspecto feminino é, essencialmente, uma certa maneira, inferior, que tem o homem de se relacionar com o seu ambiente e sobretudo com as mulheres, e que ele esconde tanto das outras pessoas quando dele mesmo. Em outras palavras, apesar de a personalidade visível do indivíduo parecer normal, ele poderá estar escondendo dos outros, e mesmo dele próprio, a deplorável condição da sua mulher interior.
O homem e seus símbolos Carl G. Jung p.29.
Nenhum comentário:
Postar um comentário