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sábado, 13 de outubro de 2018

Um dândi em frente do espelho

The Dalí Museum 

Assim, num dia de Natal, saiu para as ruas de Nova Iorque com uma campanhia nas mãos. E sempre que tinha a impressão de que as pessoas não reparavam nele, começava a agitá-la, tentando chamar atenção. Passou os derradeiros momentos da sua vida na Clínica Quiron, em Barcelona, a assistir aos boletins de saúde, no canal 3 da televisão catalã, só para ouvir falar dele e de saber como ia de saúde. Se estava bem ou quase a morrer. Aos seis anos de idade queria ser cozinheira, e incistia no termo feminino. Aos sete, Napoleão. A partir daí, quer a minha ambição, quer a minha megalomania não pararam de crescer. Desejo apenas ser Salvador Dalí, afaste-se de mim. Pintou seu primeiro quadro em 1910, com seis anos de idade. Aos dez, descobriu a pintura impressionista e com catorze, os pompiers, um grupo de pintores que cultivavam um estilo extremamente académico e cujos principais representantes foram Meissonier, Detaille e Moreau. Em 1927, já era Dalí, e o poeta Federico García Lorca, seu amigo de infância, dedicou-lhe uma Ode Didáctica. Anos mais tarde, Lorca contou de Dalí, bastante enamorado dele, tentou sodomízá-lo, não o tendo, no momento conseguido. Sempre o prazer do escândalo! Os pais deram-lhe o nome de Salvador porque estava destinado a ser o salvador da pintura, então ameaçada de morte pela arte abstracta, pelo surrealismo acadêmico, pelo dadaísmo e por todos os ismos anárquicos, em geral. Se tivesse vivido na época do Renascimento, talvez o seu génio fosse encarado como admissível, ou mesmo normal. Mas, na nossa época, que denominava de embrutecedora, é uma constante provocação e que o tomam por louco. Apesar disso, teimava em repetir. - A única diferença entre mim e um louco é que eu não sou louco. E acrescenta ainda. - A diferença entre mim e os surrealistas é que eu sou surrealista. O que era perfeitamente verdade. E afirma por fim. - Possuo a curiosidade universal dos homens do Renascimento e os maxilares do meu espírito estão continuamente em movimento. 

Dalí era catalão e gostava de ser. Nasceu a 11 de Maio de 1904, em Figueras, uma pequena localidade da pronvíncia de Gerona. Mais tarde, celebrará este acontecimento à sua maneira. Deixem os sinos tocar! Deixem o camponês desconhecido e trabalhador endireitar-se novamente por momentos, tal como o tronco duma oliveira inclinada para o chão... Vejam! Salvador Dalí acaba de nascer! Foi numa manhã idêntica a esta que os Gregos e os Fenícios devem ter desembarcado nos golfos de Rosas e de Ampurias, para aí prepararem o leito da civilização e os lençóis limpos e teatrais do meu nascimento, instalando-se no centro desta planície de Ampurdán, a paisagem mais concreta e objectiva do mundo. As origens catalãs de Salvador Dalí ajudam-nos a perceber todos os aspectos da sua obra. Diz-se que o catalão só acreidta naquilo que consegue comer, ouvir, sentir, cheirar e ver. Dalí não faz qualquer mistério deste ativismo materialista e culinário. Sei o que como. Não sei o que faço. Contrariamente a um de seus compatriotas, o filósofo Francesc Pujols, a quem se referia muitas vezes e que costumava comparar a expansão da Igreja Católica a um porco que engordamos para a matança, Dalí declarava, citando Santo Agostinho. - Cristo é como o queijo, ou melhor ainda, montanhas de queijo. Encontramos este delírio comestível em toda a sua obra, quer se trate dos famosos Relógios Moles, resultantes de um sonho de Camembert, quadro metafísico do Tempo que se consome a si próprio e que consome, dos múltiplos Pão Antropomorfo, Pão Francês com Dois Ovos Estrelados, Ovos Estrelados sem Prato, Retratos de Gala com Duas Costeletas de Borrego, Esfinge de Açucar, Canibalismo dos objetos, Espectro de Vermeer Van Delf Utilizado como Mesa, Omeletas Finas com Ervas Dinâmicas, ou mesmo um quadro da guerra civil de Espanha que ele ousa intitular, Construção Mole com Feijões Cozidos, Antevisão da Guerra Civil. 


Construction molle avec haricots boillis, prémonition de la guerre civile Óleo sobre tela, 100 x 99 cm Filadélfia, The Fhiladelphia Museum of Art

Deste modo, o facto de ter nascido em Figueras torna-o catalão, ou seja, um espanhol com características muito especiais. Aliás, era bastante fiel ao facto de ser espanhol, e sentiu uma grande alegria, quando Sigmund Freud, depois de se terem encontrado, lhe diz que ele é simultaneamente fanático e o perfeito protótipo do espanhol. Aliás, Dalí declarou sem rodeios no seu livro intitulado Vida Secreta 1964. São dois os acontecimentos mais importantes que podem acontecer a um pintor contemporâneo, 1 Ser espanhol, 2 chamar-se Salvador Dalí. Em 1904, ano em que nasceu, a Catalunha era uma província abastada, pois estava no auge de um inteso período de renovação e de trocas comerciais com o resto do mundo. Orgulhosos, e poderosos, os Catalães pretendiam transformar Barcelona, a capital, na Atenas do século XX. Picasso, então com 23 anos, pintava A engomadeira, enquanto o arquiteto António Gaudí constuía a última catedral viva. A Sagrada Família. Salvador Dalí y Cusí, seu pai, era originário de Cadaqués, aquele maravilhoso porto de pescadores que Federico García Lorca via entre o mar e a colina. Autoritário, mas de espirito liberal, era notório em Figueras, a 30 quilómetros da terra onde nascera. Acarinhado e idolatrado pelos pais, Salvador impõe a todos as suas manias. Perdoam-lhe tudo. A cozinha era um dos poucos lugares que lhe eram interditados. Ele recorda-o. - Quando tinha seis anos, comer o que quer que fosse na cozinha constituía um grave pecado. Estava sempre à espera do momento oportuno para se enfiar nesse lugar de prazeres, e, quando conseguia lá entrar, perante os gritos divertidos das criadas, era para roubar um pedaço de carne crua, ou um cogumelo assado na grelha, que engolia com risco de se sufocar, tais eram a ânsia e alegria indizíveis, que decuplicavam o meu sentimento de culpa. À excepção desta proibição de entrar na cozinha, tudo o resto me era permitido. Urinei na cama até aos oito anos, por puro prazer, Era o rei absoluto da casa. Nada era suficientemente belo para mim. Escondido atrás da porta entreaberta da cozinha, ouvia as correrias destas mulheres brutais, de mãos vermelhas e observa-lhes os fortes traseiros e os cabelos despenteados, que mais pareciam jubas de cavalo. No meio do calor, e dos barulhos confusos dos preparativos, sentia o cheiro ácido do suor das criadas, das grailhas das uvas, do óleo frito, dos pêlos arrancados aos coelhos dos rins e da maionese, anúncios perfumados da refeição, misturados com uma espécie de cheiro amargo a cavalo. Como já tive oportunidade de dizer, era um menino mimado. 


Cannibalisme des objets Guache e tinta 63,5 x 48,2 cm Edward James

Como vemos, a infância de Dalí explica-nos bem os factos sobre a sua vida e obras futuras. Ele dá-nos, aliás uma explicação para esta fraqueza dos pais. - O meu irmão morreu aos sete anos devido a uma meningite, precisamente três anos antes de eu nascer. Desesperados, os meus pais só encotraram consolo com o meu nascimento. Éramos tão parecidos como duas gotas de àgua. Tínhamos o mesmo génio, a mesma expressão de precocidade inquietante. O meu irmão tinha sido apenas um primeiro ensaio de mim próprio, concebido num absoluto demasiado impossível. A presença deste irmão que ele não chegou a conhecer e que, na verdade, morreu exactamente nove meses, o tempo de gestão, antes do nascimento de Salvador Dalí. Apesar do liberalismo, o pai de Dalí não teria aceito facilmente ver o filho tornar-se pintor, se não fosse encorajado pelos amigos. Principalmente, pela família Pichot. Dalí recorda-se disso, e reconhece o papel crucial da família na sua vida. Os meus pais tinham já sofrido a influência da personalidade dos Pichot, escreve ele em Vida Secreta. Eram todos grandes artistas, com grande aptidão e com um gosto requintado. Ramón Pichot era pintor Ricardo, violoncelista, Luís, violinista, María, contralto, Pepito era talvez, o mais artista de todos. Os Pichot organizavam concertos à luz do luar, não hesitando em tirar de casa o piano de cauda e levá-lo para os rochedos. É por isso, afirmou Dalí, que, quando pinto pianos em cima dos rochedos ou com ciprestes, não estou a sonhar, são coisas que já vi e que me impressionaram. Na sala de jantar, havia precisamente uma rolha de garrafa de cristal, através da qual tudo se tornava impressionista. Transportava-a no bolso e tirava-a a qualquer pretexto, a fim de ver as coisas sob o ângulo impressionista. 

Girafe un feu Óleo sobre madeira 35 x 27 cm Basileia, Kunstmuseum Fundação Emanuel Hoffmann 


É necessário mencionar que a carreira escolar de Salvador Dalí esteve longe de ser gloriosa. Após medíocres estudos primários na escola cristã, onde aprendeu os conceitos fundamentais do desenho e da aguarela, e onde descobriu a beleza da caligrafia. Em 1917, frequenta então o curso de desenho do professor Juan Nuñez, na Escola Municipal de Grabado. É claro que sentia uma enorme alegria em fazer exatamente o contrário do que lhe ensinavam e, sobretudo, em desconcertar M. Nuñez e forçá-lo a dar-lhe razão. Assim, um dia, aquele o mandou desenhar um mendigo, aconselhou-o a utilizar um lápis mole e a desenhar ao de level no papel, Dalí enegreceu tanto o desenho que este acabou por se transformar num conjunto incoetente de manchas escuras, que ele retoca ainda mais com tinta-da-china. Não lhe esta senão utilizar a raspagem, fazendo aparecer com canivete tons brancos dos mais resplandecentes. Quando desejava brancos esbatidos, cuspia sobre o lado pretendido. Levantava, então, a pasta de papel, a fim de imitar com perfeição uma espécie de penugem, que é como quem diz, a barba do mendigo. Após concluir o liceu, Dalí procura então convecer o pai a deixá-lo frequentar a Escola de Belas Artes de Madrid. A insistência do filho, o apoio do professor Nuñez e dos Pichot, e talvez a morte da esposa, em Barcelona, no dia 6 de Fevereiro de 1921, acabam por convencê-lo. Dalí instala-se num quarto da Residencia de Estudiantes, uma pensão para estudantes abastados. Foi ali que pintou seus primeiros quadros, cubistas, pontilhistas e divisionistas, sem dúvida influenciado por outro espanhol, Juan Gris, e pelos futuristas italianos, que sempre admirou. Com poucas excepções, utiliza apenas o negro, o branco, o siena e o verde-azeitona, como reacção contra as cores violentas da fase anterior. - As pessoas confundiam-me com um ator excêntrico, o casaco de veludo, o cabelo, que parecia o de uma rapariga, a bengala de cabo dourado e as suíças que me cobriam todo o rosto. Um enorme chapéu de feltro negro e um cachimbo, que nunca acendia, completavam esta figura pouco vulgar. Odiava as calças compridas e, por isso, decidiu usar caças curtas com peúgas e, às vezes, polainas. Nos dias de chuva, usava uma capa. Era tão comprida que quase arrastava pelo chão. Hoje compreendo por que razão os meus conhecidos achavam que eu tinha um aspecto fantástico. 


Salvador Dalí Robert Descharnes Gilles Néret Editora: Taschen.

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