Projeto Pedagógico Oficinas de Teatro em Inglês

terça-feira, 27 de novembro de 2018

É você quem está sentada onde não deve


Para ela, estava certo. Mas naquele dia começou a se dar conta de alguma coisa que ninguém havia descoberto, e era que no transcurso do ano o sol ia mudando impeceptivelmente de posição e quem se sentava na  varanda tinha que ir mudando de lugar pouco a pouco e sem o perceber. A partir de então, Úrsula tinha apenas que se lembrar da data para saber o lugar exato em que Amaranta estava sentada. Embora o tremor das mãos fosse cada vez mais perceptível e já não pudesse com o peso dos pés, nunca se vira a sua figura miudinha em tantos lugares ao mesmo tempo. Era quase tão diligente como quando arcava com toda a responsabilidade da casa. Entretanto, na impenetrável solidão da velhice, dispunha de tal clarividência para examinar mesmo os mais insignificantes acontecimentos da família que pela primeira vez viu com clareza as verdades que as suas ocupações de outros tempos lhe haviam impedido de ver. Na época em que preparavam José Arcadio para o seminário, já tinha feito uma recapitulação infinitesima da vida da casa desde a fundação de Macondo e havia mudado completamente a opinião que tivera dos seus descendentes. Percebeu que o Coronel Aureliano Buendia não tinha perdido o afeto à família por causa do endurecimento da guerra, como ela acreditava antes, mas que nunca tinha amado ninguém, nem sequer a sua esposa Remedios ou as incontáveis mulheres de uma noite que haviam passado pela sua vida e muito menos ainda seus filhos. Vislumbrou que não tinha feito tantas guerras por idealismo, como todo mundo pensava, nem tinha renunciado a vitória iminente por cansaço, como todo mundo pensava, mas que tinha ganho e perdido pelo mesmo motivo, por pura e pecaminosa soberba. Chegou à conclusão de que aquele filho por quem ela teria dado a vida era simplesmente um homem incapacitado para o amor. Uma noite, quando o tinha no ventre, ouviu-o chorar. Era um lamento tão definido que José Arcandio Buendia acordou de seu lado e se alegrou com a idéia  de que a criança ia ser ventriloqua. Outras pessoas prognosticaram que seria adivinho. Ela, pelo contrário, estremeceu com a certeza de que aquele bramido profundo era um primeiro indicio do temível rabo de porco e rogou a Deus que lhe deixasse morrer a criatura no ventre. Mas a lucidez da velhice lhe permitiu ver, e assim o repetiu muitas vezes, que o choro das crianças no ventre da mãe não é anúncio de ventriloquia nem de faculdade adivinhatória, mas um sinal inequívoco de incapacidade para o amor. Aquela desvalorização da imagem do filho despertou-lhe de uma vez toda a compaixão que estava devendo a ele. Amaranta, pelo contrário, cuja dureza de coração a espantava, cuja concentrada amargura a amargava, foi revelada no último exame como a mulher mais terna que jamais pudesse haver existido e compreendeu com uma penosa clarividência que as injustas torturas a que submetera Pietro Crespi não eram ditadas por uma vontade de vingança, como todo mundo pensava, nem o lento martírio com que frustrara a vida do Coronel Gerineldo Márquez tinha sido determinado pelo fel ruim da sua amargura, como todo mundo pensava mas sim que ambas as ações tinham sido uma luta de morte entre um amor sem medidas e uma covardia invencível, e triunfara finalmente o medo irracional que Amaranta sempre tivera do seu próprio e atormentado coração. Foi por essa época que Úrsula começou a se referir a Rebeca, a evocá-la com um velho carinho exaltado pelo arrependimento tardio e pela admiração repentina, tendo compreendido que somente ela, Rebeca, a que nunca se alimentara do seu leite e sim da terra e da cal das paredes, a que não levara nas veias o sangue do seu sangue e sim o sangue desconhecido de desconhecidos cujos ossos continuavam chocalhando na tumba. Rebeca, a do coração impaciente, a do ventre arrebatado, era a única que tinha tido a valentia sem freios que Úrsula desejara para sua estirpe. - Rebeca, - dizia, tateando as paredes - que injustos nós fomos com você. 

Cem anos de Solidão Gabriel Garcia Marquez Editora Record p. 222.

EDUCATION IN THE WORLD

Hortas Urbanas uma Revolução Gentil e Orgânica ECO Revolucao dos baldinhos compostagem na escola Florianopolis credito Fernando Angeoletto

PANORÂMICA SOCIOLÓGICA

Talvez não esteja mais em  nós educar nossos filhos, isto é, procurar passar a eles o que acreditamos ser nossa experiência de vida, nossa cultura, nossos valores e significados tradicionais. Nosso mundo significa, neste texto, dos maiores de 30 anos, e crianças refere-se àqueles com até 20 anos. Entre esses dois mundos, a distância tornou-se incomensurável, não tem mais medida comum. Estamos chegando bem perto de ser duas espécies diferentes! Quanto menos tentarmos ensinar a eles, melhor. Podeos continuar a amá-los, e isso é fundamental. Mas querer ensinar a eles como é a realidade, o que é certo e o que é errado é temerário. Primeiro porque eles mal e mal nos ouvem, seja no lar, seja na escola. Estão aprendendo a fazer conosco o que até hoje fizemos com eles. Em nenhum Ministério da Educação do mundo existem crianças para dizer o que elas gostariam de aprender. Segundo, porque neste último meio século a humanidade vem atravessndo a maior evolução de toda sua história, passando da velocidade da locomotiva a vapor - 150 km/h, para a do avião - 1.000 km/h, chegando a velocidade das ondas eletromagnéticas - 300 mil km/s, em todas as direções. Outro modo de resumir o que, na verdade, é impossível de resumir seria, neste pequeno objeto sem fio, cada vez menor, que levamos no bolso, ainda chamado de telefone celular, estão reunidas muito mais, deveras mais, funções do que todas as que no passado eram atribuídas ao anjo da guarda. Tanto para nos auxiliar quanto para nos vigiar, denunciar, controlar e localizar. Sem fio algum, sem conexão concreta com nada. Puro espíritos, benfazejos e malfazejos. Levados no bolso! Enfim, porque desde o começo da história dos Impérios, digamos 8000 anos a. C., até o presente, incluindo o colonialismo nem tão antigo e, finalmente, abrindo qualquer jornal de hoje em qualquer página, obtemos um retrato deveras terrível da humanidade. Guerras sem fim, assaltos coletivos subsequêntemente glorificados nas escolas, pelos livros de história, pelo cinema. O do lado de cá é sempre genial e o do lado de lá, sempre um psicopata perigoso. O período Heróico - Grécia vesus Pérsia, heróico é se entrematar, às dezenas ou centenas de milhares, destruir, escravizar, estuprar, roubar, torturar. O grande Alexandre, a Grande Roma, o Grande Gengis Khan, o Grande Napoleão. Por que não o Grande Hitler? O Grande Stalin? As Grandes Forças Armadas norte-americanas? A Grande Indústria bélica do mundo? Grandes adjetivos para justificar, em solenes discursos e gloriosos relatos históricos, os intermináveis atos de barbárie coletiva e seu monstruoso cortejo de horrores, de atrocidades e de sofrimentos para milhões de seres humanos. A história não tem compaixão. Por isso Buda falou a respeito. A história só tem glória. Inclusive tantas guerras em nome de Deus, do Deus de cada povo ou de cada época histórica, sem que nenhum livro ou aula de história faça a menor alusão à monstruosidade ideológica implícita nessas atrocidades. Que Deuses são os nossos, ou como imaginamos que Eles sejam, para matarmos nosso irmãos em Seu nome, não apenas de consciência limpa como, ainda, glorificando o feito hediondo? Terá Jeová nos feito à sua imagem e semelhança ou nós o fizemos à nossa imagem e semelhança? Para completar a lista de nossos tradicionais valores e significados, convém acrescentar atualmente, os melhores negócios do mundo se referem à pesquisa científica ligada à indústria, ao comércio e ao contrabando de armas, o melhor negócio do mundo é matar gente. Depois vêm toxícos, inclusive as toneladas de psicotrópicos vendidos legalmente nas farmácias, sem contar o álcool. A seguir, aparece o petróleo e, por fim, a prostituição.

Russian defense industry is negotiating military technological cooperation with over 20 countries

Em relação ao petróleo, são bem sabidas as guerras, as matanças, implacáveis e intermináveis, que estão acontecendo em torno dele e a profunda influência destas na economia mundial, isto é, no bolso e na vida de cada um de nós. O que sucedeu até hoje com a humanidade, o que nós adultos fizemos, ou não impedimos, ou aceitamos, não é nada animador nem capaz de despertar orgulho ou esperanças em nós, que nos consideramos consciêntes, responsáveis, bem informados, conhecedores da realidade. Normais, em suma! No entanto, praticamente todo o sistema educacional do mundo baseia-se na noção implícita de que nós adultos temos o que ensinar de bom, sábio e digno a nossos filhos. É bom determo-nos um poco sobre esse paradoxo e nos perguntar, a sério - Será que temos mesmo o que ensinar a nossos filhos? 

J. A. Gaiarsa Educação familiar e escolar para o terceiro milênio Editora Agora p. 15. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

PRINCÍPIOS QUE RETORNAM


A Antropologia Teatral é um estudo sobre o ator e para o ator. É uma ciência pragmática que se torna útil, quando, por meio dela, o estudioso chega a apalpar o processo criativo e quando, durante o processo criativo, incrementa a liberdade do ator. Consideremos, para começar, duas diferentes categorias de atores que, no modo de pensar, normalmente se identificam como Teatro Oriental e Teatro Ocidental. É uma distinção errada. Para evitar falsas associações com áreas culturais e geográficas concretas, inverteremos a bússola e a usaremos de modo imaginário, falando de um Polo Norte e um Polo Sul. O ator do Polo Norte é o parentemente menos livre. Modela seu comportamento cênico segundo uma rede bem experimentada de regras que definem um estilo ou um gênero codificado. Esse código de ação física ou vocal, fixado em uma peculiar e detalhada artificialidade, seja balé ou um dos teatros clássicos asiáticos, a dança moderna, a ópera ou o mimo, é suscetível de evoluções e inovações. No princípio entretanto, todo o ator que tenha escolhido esse tipo de teatro deve adequar-se a ele e iniciar sua aprendizagem despersonalizando-se. Aceita um modelo de pessoa cênica estabelecido por uma tradição. A personalização desse modelo será o primeiro sinal de sua maturidade artística. O ator do Polo Sul não pertence a um gênero espetacular caracterizado por um detalhado código estilístico. Não tem um repertório de regras taxativas para respeitar. Deve construir ele mesmo as regras sobre as quais apoiar-se. Inicia sua aprendizagem a partir dos dotes inatos de sua personalidade. Usará como ponto de partida as sugestões que derivam dos textos que representará, das observações do comportamento cotidiano, da imitação no confronto com outros atoes, do estudo dos livros e dos quadros, das indicações do diretor. O ator do Polo Sul é aparentemente mais livre, mas encontra maiores dificuldades ao desenvolver, de modo articulado e contínuo a qualidade de seu artesanato cênico. Ao contrário do que parece à primeira vista, é o ator do Polo Norte que tem maior liberdade artística, ao passo que o ator do Polo Sul permanece facilmente prisioneiro da arbitrariedade de uma excessiva falta de pontos de apoio. A liberdade do ator do Polo Norte é mantida no interior do gênero ao qual pertence, e seu preço é uma especialização que torna difícil a saída do território conhecido. Sabe-se que abstratamente não existem regras cênicas absolutas. São convenções, e uma convenção absoluta seria, em si mesma, uma contradição. Mas isso é correto somente no abstrato. Para que um experimentado complexo de regras possa ser verdadeiramente útil, na prática, para o atror, deve ser aceito como se fosse um complexo de regras absolutas. Para realizar essa ficção explícita, frequentemente se considera útil permancer a distância de estilos diferentes. Muitas anedotas contam como quase todos os mestres asiáticos e alguns grandes mestres europeus, como, por exemplo, Etienne Decroux, proíbem que seus alunos se aproximem de outras formas espetaculares, mesmo como simples espectadores. Sustentam que somente desse modo se preserva a pureza e a qualidade da própria arte e, só assim, o aluno demonstra dedicação ao caminho que escolheu. Esse processo de defesa tem a vantagem de evitar a tendência patológica que frequentemente deriva da consciência da relatividade das regras. O passar de um caminho a outro com a ilusão de acumular experiência e ampliar o horizonte da própria técnica. É verdade que um caminho é válido tanto quanto o outro, mas somente se é percorrido até o fim. É necessário um compromisso tal que, por longo tempo, não se permita pensar em nenhuma outra possibilidade. Impor-se regras simples, que não devem ser traídas jamais, afirmava Louis Jouvet, sendo ele também consciente de que os princípios de partida de um ator devem ser defendidos como seu bem mais preciosos e que um processo de sincretismo muito rápido o contaminaria iremediavelmente. Hoje o ambiente teatral é, por um lado, reduzido, mas, por outro, ilimitado. Comumente os atores viajam para fora de sua cultura, hospedam estrangeiros, teorizam e divulgam a especificidade de sua arte em contextos estranhos, veem outros teatros, ficam fascinados e, portanto, com desejo de incorporar em seu trabalho alguns dos resultados que lhes interessaram ou os comoveram. Às vezes, inspirando-se em tais resultados, podem surgir mal entendidos. Alguns podem ser criativos, basta pensar no passado, Bali para Artaud, China para Brecht e o teatro inglês para Kawagami. Porém a sabedoria que se encontra atrás desses resultados, a técnica oculta e a visão artesanal que os anima continuam sendo ignoradas.  

 

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Essa fascinação pelo aspecto exterior, que hoje, por causa da intensidade dos contatos, corre o risco de submeter a evolução das tradições a bruscas acelerações, pode conduzir à promiscuidade que homogeniza. Como comer, tendo também o tempo e a química para digerir os resultados dos demais? O oposto de uma cultura colonizada ou seduzida não é uma cultura que se isola, mas uma cultura que sabe cozinhar do seu modo e comer o que traz ou chega do exterior. Entretanto, os atores e bailarinos, servem-se e serviram-se de alguns princípios comuns pertencetes a cada tradição a cada país. Em torno desses princípios, podemos reunir-nos sem perigo de praticar alguma forma de promiscuidade. Descobrir estes princípios que retornam é a primeira tarefa da Antropologia Teatral. As artes, escreveu Decroux - se parecem em seus princípios, não em suas obras. Poderíamos acrescentar que também os atores não se assemelham em suas técnicas, mas em seus princípios. Estudando-os, a Antropologia Teatral presta serviço tanto ao que tem uma tradição codificada como ao que sofre a sua falta, a quem e afetado pela degeneração da rotina ou a quem está ameadçado pela dissolução de uma tradição, tanto aos atores do Polo Norte como aos do Polo Sul.

Eugenio Barba A Canoa de Papel Tratado de Antropologia Teatral Editora Dulcina p. 28. 

domingo, 25 de novembro de 2018

AS IDADES DA VIDA

James Bailile 1848

As idades da vida ocupam um lugar importante nos tratados pseudocientíficos da Idade Média. Seus autores empregam uma terminologia que nos parece puramente verbal, infância e puerilidade, juventude e adoloscência, velhice e senilidade, cada uma dessas palavras desígnando um período diferente da vida. Desde então, adotamos algumas dessas para designar noções abstratas como puerilidade ou senilidade, mas estes sentidos não estavam contidos nas primeiras acepções. De fato, tratava-se originalmente de uma terminologia erudita, que com o tempo se tornou familiar. As idades, idades da vida ou idades do homem correspondiam no espírito de nossos ancestrais a noções positivas, tão conhecidas, tão repetidas e tão usuais, que passaram do domínio da ciência ao da experiência comum. Hoje em dia não temos mais idéia da importância da noção de idade nas antigas representações domundo. A idade do homem era uma categoria científica da mesma ordem que o peso ou a velocidade o são para nossos contemporâneos. Pertencia a um sistema de descrição e de explicação física que remontava aos filósofos do século VI. a.C., que fora revivido pelos compiladores medievais nos escritos do Império Bizantino, e que ainda inspirava os primeiros livros impresos de vulgarização científica no século XVI. Não tencionamos determinar aqui sua formulação exata e seu lugar na história das ciências. Importa-nos apenas perceber em que medida essa ciência se havia tornado familiar, seus conceitos haviam passado para os hábitos mentais, e o que ela representava na vida quotidiana. Compreenderemos melhor o problema examinando a edição de 1556 Le Grand Propriétaire de toutes choses. Tratava-se de uma compilação latina do século XIII, que retornava todos os dados dos escrtitos do Império Bizantino. Considerou-se oportuno traduzi-la para o francês e dar-lhe, através da impressão, uma maior difusão. Essa ciência antigo-medieval era portanto, em meados do século XVI, objeto de vulgarização. Le Grand Propriétaire de toutes choses é uma enciclopédia de todos os conhecimentos profanos e sacros, uma espécie de Grand-Larrouse, mas que teria uma concepção não-análitica e traduziria a unidade essencial da natureza e de Deus. Uma física, uma metafísica, uma história natural, uma fisiologia e uma anatomia humanas, um tratado de medicina e de higiene, uma astronomia e ao mesmo tempo uma teologia. Vinte livros tratam de Deus, dos anjos, dos elementos, do homem e do seu corpo, das doenças, do céu, do tempo, da matéria, do ar, do fogo, dos passáros etc. O último é consagrado aos números e às medidas. Havia também nesses livros algumas receitas práticas. Uma idéia geral emanava da obra, idéia erudita que logo se tornou extremamente popular,  a idéia da unidade fundamental da natureza, da solidariedade existente entre todos os fenômenos da natureza, que não se separam das manifestações sobrenaturais. A idéias de que não havia oposição entre natural e o sobrenatural pertencia ao mesmo tempo às crenças populares herdadas do paganismo, e a uma ciência tanto física quanto teológica. Eu diria que essa concepção rigorosa da unidade da natureza deve ser considerada responável pelo atraso do deesenvolvimento científico, muito mais do que a autoridade da Tradição, dos Antigos ou da Escritura. Nós só agimos sobre um elemento da natureza quando admitimos que ele é suficientemente isolável. A partir de um certo grau de solidariedade entre os fenômenos, tal como postula o Le Grand Propriétarie, não é mais possível inervir sem provocar reaçõe em cadeia, sem destruir a ordem do mundo, nenhuma das categorias do cosmo dispõe de uma autonomia suficiente, e nada pode ser feito contra o determinismo universal. O conhecimento da natureza limita-se então ao estudo das relações que comandam os fenômenos através de uma mesma causualidade, exceto através da magia ou do milagre. Uma mesma lei rigorosa rege ao mesmo tempo o movimento dos planetas, o ciclo vegetativo das estações, as relações entre os elementos, o corpo humano e seus humores, e o destino do homem, assim, a astrologia permite conhecer as incidências pessoais desse determinismo universal. Anda em meados do século XVII,  a prática da astrologia era bastante difundida para que Molière, esse espírito cético, a tomasse por alvo de suas caçoadas em Les Amants Magnifiques


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A correspondência dos números apareceia então como uma das chaves dessa solidariedade profunda, o simbolismo dos números era familiar, encontrava-se ao mesmo tempo nas especulações religiosas, nas descrições de física, de história natural, e nas práticas mágicas. Por exemplo, havia uma correspondência entre o número dos elementos, o dos temperamentos do homem e das estações, o número 4. Para nós é difícil imaginar essa concepção formidável de um mundo maciço, do qual se perceberiam apenas algumas correspondências. A ciência havia permitido formular as correspondências e definir as categorias que elas ligavam. Mas essas correspondências, com o passar dos séculos, tinham deslizado do domínio da ciência para o mito popular. Essas concepções nascidas na Jônia do século VI com o tempo haviam sido adotadas pela mentalidade comum, e as pessoas representavam o mundo dessa forma. As categorias da ciência antigo-medieval se haviam tornando familiares, os elementos, os temperamentos, os planetas e seu sentido astrológico, e o simbolismo dos números. É preciso ter em mente que toda essa terminologia que hoje nos parece tão oca traduzia noções que na época eram científicas, e correspondia também a um sentimento popular e comum da vida. Aqui também esbarramos em grandes dificuldades de interpretação, pois hoje em dia não possuímos mais esse sentimento da vida, consideramos a vida com um fenômeno biológico, como uma situação na sociedade, sim, mas não mais que isso. Entretanto, dizemos é a vida para exprimir ao mesmo tempo nossa resignação e nossa convicção de que existe fora do biológico e do socifológico, alguma coisa que não tem nome, mas que nos comove, que procuramos nas notícias corriqueiras dos jornais, ou sobre a qual podemos dizer isto tem vida. A vida se torna então um drama, que nos tira do tédio do quaotidiano. Para o homem de outrora, ao contrário, a vida era continuidade inevitável, cíclica, às vezes humorística ou melancólica das idades, uma continuidde inscrita na ordem geral e abstrata das coisas, mais do que na experiência real, pois poucos homens tinham o privilégio de percorrer todas essas idades naquelas épocas de grande mortalidade. 

História Social da Criança e da Família Philippe Ariès Editora LTC p. 4.


sábado, 24 de novembro de 2018

2°de 3 Filmes Oficiais do Kit Gay do MEC: "Torpedo"

3°de 3 Filmes Oficiais do Kit Gay do MEC: "Encontrando Bianca"

1° de 3 filmes Oficiais do Kit Gay do MEC: "Probabilidade"

A água e a navegação têm realmente esse papel


Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior de tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais abertas das estradas. Solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabem quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer. É esse ritual que, por esses valores, está na origem do longo parentesco imaginário que se pode traçar ao longo de toda a cultura ocidental? Ou, inversamente, é esse parentesco que da noite dos tempos, exigiu e em seguida fixou o rito do embarque? Uma coisa pelo menos é certa, a água e a loucura estarão ligadas por muito tempo nos sonhos do homem europeu. Já sob o disfarce do louco, Tristão, outrora, tinha-se deixado jogar por marinheiros nas costas da Cornualha. E quando se apresenta no castelo do Rei Marcos ninguém o reconhece, ninguém sabe de onde vem. Mas seus propósitos são muito estranhos, familiares e longínquos, conhece demasiado os segredos do notório para não ser de um outro mundo bem próximo. Não vem da terra sólida, com suas sólidas cidades, mas sim da inquietude incessante do mar, desses caminhos desconhecidos que escondem tantos estranhos saberes, dessa planície fantástica, avesso do mundo. Isolda é a primeira a saber que esse louco pe filho do mar, e que marinheiros insolentes o jogaram ali, signo da desgraça. - Malditos sejam os marinheiros que trouxeram este louco! Por que não o jogaram ao mar?  (Tristan et Iseult, ed. Bossuat p. 219). E várias vezes no decorrer dos tempos o mesmo tema reaparece, entre os místicos do secúlo XV ele se tornou o motivo da alma-barca, abandonada no mar infinito dos desejos, no campo estéril das preocupações e da ignorância entre os falsos reflexos do saber, no meio do desatino do mundo, barca prisioneira da grande loucura do mar se não souber lançar sólidas âncoras, a fé, ou esticar suas velas espirituais para que o sopro de Deus a leve ao porto. Ao final do século XVI, De Lancre vê no mar a origem da vocação demoníaca de todo um povo. O sulco incerto dos navios, a confiança apenas nos astros, os segredos transmitidos, o afastamento das mulheres, a imagem enfim dessa grande planície perturabada fazem com que o homem perca a fé em Deus bem como todas as ligações sólidas com a pátria, ele se entrega assim ao Diabo e ao oceano de suas manhas ( De LANCRE, De L'inconstance des mauvais anges, Paris, 1612). Na era clássica, explica-se de bom grado a melancolia inglesa pela influência do clima marinho, o frio, a umidade, a instabilidade do tempo, todas essas finas gotículas de água que penetram os canais e as fibras do corpo humano e lhe fazem perder a firmeza, predispõem à loucura (G. CHEYNE, The English Malady, Londres, 1773). Finalmente, deixando de lado toda uma imensa literatura que iria de Ofélia à Lorelei, citemos apenas as grandes análises meio antropológicas de Heirnroth, que fazerm da loucura como que a manifestação no homem de um elemento obscuro e aquático, sombria desordem, caos (Necessário acrescentar que o lunatismo não é estranho a esse tema. A lua, cuja influência sobre a loucura foi admitida durante séculos, é o mais aquático dos astros. O parentesco da loucura com o sol e o fogo surgiu bem mais tarde Nerval, Nietzsche, Artaud). Mas se a navegação dos loucos se liga, na imaginação ocidental, a tantos motivos imemoriais, por que tão bruscamente, por volta do século XV, esta súbita formulação do tema, na literatura e na iconografia? Por que vemos surgir de repente a silhueta da Nau dos Loucos e sua tripulação insana invadir as paisagens mais familiares? Por que, da velha aliança entre água e a loucura, nasceu um dia, nesse dia, essa barca? É que ela simboliza toda uma inquietude, soerguida subitamente no horizonte da cultura européia, por volta do fim da Idade Média. A loucura e o louco tornam-se personagens maiores em sua ambiguidade. Ameaça e irrisão, vertiginoso desatino do mundo e medíocre ridículo dos homens. 

Michel Foucault História da Loucura Editora Perspectiva p. 20. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Espectro da Consciência

Nosso ambiente está saturado de inúmeras espécies de radiações, além da luz visível comum, de várias cores, existem os raios X, os raios gama, o calor infravermelho, a luz ultravioleta, as ondas de rádio e os raios cósmicos. Tirante a da luz visível, a existência dessas ondas de radiação era desconhecida até cerca de 200 anos atrás, quando William Herschel iniciou-lhes a exploração e demonstrou a existência da radiação térmica, agora chamada infravermelha, usando, à guisa de instrumentos, nada mais do que termômetros com bulbos enegrrecidos colocados em várias faixas de um espectro solar. Pouco depois da descoberta de Herschel, Ritter e Wollaston, utilizando instrumentos fotográficos, detectaram a radiação ultravioleta e, mais ou menos no fim de século XIX, a existência de raios X, raios gama e ondas de rádio foi experimentalmente provada com o emprego de uma variedade de técnicas e aparelhos. Superficialmente, todas essas radiações diferem muito umas das outras. Os raios X e os raios gama, por exemplo, possuem comprimentos de onda muito curtos e, por consequência são muito poderosos, capazes de danificar letalmente tecidos biológicos, a luz visível, por outro lado, possui um comprimento de onda muito maior, é menos poderosa e, dessa forma, raramente danifica um tecido vivo. Desse ponto de vista, elas são realmente dessemelhantes. Outro exemplo, os raios cósmicos têm um comprimento de onda inferior a um milionésimo de milionésimo de polegada, ao passo que o comprimento de onda de algumas ondas de rádio é superior a um milha. À primeira vista, por certo, todos esses fenômenos parecem de todo distintos. Estranhamente, porém, tais radiações são agora encaradas como formas diferentes de uma onda eletromagnética essencialmente característica, pois todos os raios, na aparência diversos, compartem de um grande conjunto de propriedades comuns. No vácuo, todos viajam à velocidade da luz, todos se compôem de vetores elétricos e magnéticos perpendiculares em relação uns aos outros. São todos quantificados como fótons, e assim por diante. Por serem essas formas dissímiles de radiação eletromagnética, nesse nível simplista, fundamentalmente tão semelhantes, costumam hoje ser vistas como se compusessem um único espectro. Ou  seja, descrevem-se simplesmente os raios X, a luz visível, as ondas de rádio, infravermalhas e ultravioletas como faixas desiguais de um único espectro, do mesmo modo que as faixas de cores diferentes do arco-íris formam um espectro visível. Assim sendo, o que outrora se supunha serem eventos inteiramente separados, agora são vistos como variações do mesmo fenômeno básico, e os primeiros cientistas, porque utilizavam instrumentos dispares, estavam simplesmente fazendo ligação com várias e diferentes frequências ou níveis vibratórios do espectro sem dar tino de que todos estudavam o mesmo processo básico. A radiação eletromagnética, portanto, consiste num espectro de energia de vários comprimentos de onda, frequências e energias, que vão desde os raios cósmicos mais finos e mais penetrantes até as ondas de rádio mais densas e menos energéticas. Compare-se tudo isso com a descrição feita po Lama Govinda de uma concepção budista tibetana da conciência. Referindo-se à consciência como composta de várias gradações, faixas ou níveis, afirma Govinda que tais níveis não são camadas separadas, mas tem antes a natureza de formas de energias reciprocamente penetrantes, desde a mais fina consciência luminosa que se irradia para todos os pontos e que tudo penetra, até a forma mais densa de consciência materializada,  que se apresenta diante de nós como o nosso corpo físico visível. A consciência, em outras palavras, é aqui descrita de maneira semelhante ao espectro eletromaginético, e vários investigadores ocidentais, colhendo a sua deixa nessas descrições, chegaram, de fato, a sugerir que talvez conviesse encarar a consciência como um espectro.


Desde minha meninice tenho tido, com frequência, uma espécie de transe em estado de vigília, quando me acho inteiramente só. Isso me salteia quando repito meu próprio nome duas ou três vezes para mim mesmo em silêncio, até que de repente, por assim dizer, partindo da intensidade da consciência da individualidade, a própria individualidade parece dissoulver-se e dissipar-se no ser sem limites. E não se trata de um estado confuso, mas do mais claro dos claros, do mais seguro dos seguros, do mais estranho dos estranhos, inteiramente além das palavras, onde a morte é uma impossibilidade quase risível, e a perda da personalidade não parece extinção, mas a única vida verdadeira. (Memoirs of Alfred Lord Tennyson, vol.II, p. 473).

Ken Wilber O espectro da consciência Editora Cultrix p. 15.

A primeira prova


Hoje estávamos emocionados, aguardando a nossa primeira aula com o diretor Tortsov. Ele, entretanto, só entrou na sala para declarar inesperadamente que, a fim de se familiarizar mais conosco, queria que déssemos um espetáculo em que interpretaríamos trechos de peça da nossa escolha. Seu objetivo era nos ver no palco, o cenário ao fundo, maquilados, vestidos, as luzes da ribalta acesas e com todos os acessórios. Só então, disse-nos, poderia avaliar a nossa qualidade dramática. A princípio, só uns poucos se mostraram favoráveis à prova sugerida. Entre eles um rapazola recatado, Gricha Govorkov, que já representara um teatrinho qualquer, uma loura alta e linda, chamada Sônia Veliaminova, e um sujeito vivo e barulhento, chamado Vânia Viuntsov. Pouco a pouco, afizemo-nos todos à ideia da experiência iminente. A ribalta luminosa foi ficando cada vez mais tentadora e a representação logo se nos afigurou interessante, útil e até mesmo necessária. Na hora de escolher, eu e dois amigos, Paulo Chustov e Leão Puchchin, começamos por ser modestos. Pensamos num vaudeville ou num acomédia leve. Mas por toda parte ouviamos pronunciar grandes nomes: Gogol, Ostrovski, Tchekhov e outros. Imperceptivamente, notamos, a nossa ambição crescera, queríamos presentar alguma coisa romântica, em trajes de época, em verso. Senti-me tentado pela figura de Mozart. Leão pela de Salieri. Paulo pensou em Dom Carlos. Aí começamos a discutir Shakepeare e minha escolha pessoal recaiu em Otelo. Quando Paulo concordou em interpretar o papel de Iago, tudo ficou resolvido. Ao sairmo do teatro, disseram-nos que o primeiro ensaio estava marcado para o dia seguinte. Chegando em casa, tarde, peguei meu exemplar de Otelo, instalei-me confortavelmente no sofá, abri o livro e comecei a ler. Mal terminada a segunda página, senti-me tomado pelo desejo de atuar. Sem querer, minhas mãos, meus braços, minhas pernas, meu rosto, meus músculos faciais e qualquer coisa dentro de mim, tudose pôs a mexer. Declamei o texto. Descobri, de repente, uma espátula de marfim. Meti-a na cintura, feito um punhal. Minha toalha de banho felpuda seviu de branco albornoz. Com os meus lençóis e cobertores fiz uma espécie de camisa e de túnica. Fiz meu guarda-chuva de cimitarra, mas ainda faltava o escudo. Ocorreu-me, então, que, na sala de jantar, anexa ao meu quarto, havia uma grande bandeija. De escudo em punho, senti-me um legítimo guerreiro. Mas meu aspecto geral era moderno e civilizado, ao passo que Otelo, de origem africana, devia ter uma sugestão qualquer de vida primitiva, algo de um tigre, talvez. Para evocar, sugerir e fixar o andar de animal, comeceitoda uma série de exercícios. Tive a impressão de que muitos desses momentos dera ótimo resultado. Eu trabalhava quase cinco horas sem ver o tempo passar. Isso me pareceu uma prova de que a minha inspiração era real.

A preparação do ator Constantin Stanislavski Editora Civilização Brasileira p. 27. 

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Rasgar o firmamento, mergulhar no caos, retornar da morte


Um dos grandes perigos que rondam a teoria educacional é perder a capacidade de criar suas próprias idéias. Talvez, por isso, ela se agarre tanto a idéias preestabelecidas, que lhe emprestam um saibo moral de unificação ou um gosto religioso de totalidade. Qualquer variação conceitual desafia e elimina as opiniões preexistentes, para encontrar formas de novo na Educação. Formas que, nesta filosofia do inferno, respiraram uma atmosfera de estranheza, rasgaram o desconhecido do firmamento, mergulharam no caos diabólico e daí trouxeram variações sobre a infersfera. Criar conceitos, traçar um plano, inventar personagens conceituais são atos filosóficos que podem ser feitos por qualquer pensamento, até por uma filosofia do céu na Educação. Um desses pensamentos não será melhor do que outro, ou mais plenamente pensado. Eles serão distintos, heterogêneos, não-assimiláveis, sem síntese , identificação, superação. Embora possam deslizar, passar um pelos outros, cruzar-se, ter suas extensões ocupadas por outros personagens, apelar a conceitos que restam por criar em outrros pensamentos. Nenhum modo de pensar a Educação é sagrado ou profano, verdadeiro ou falso, nobre ou vulgar, rico ou indigente. Um pensador não pode provar, comparar, medir, decidir que o seu modo de pensar é melhor do que os modos que constroem outros conceitos, planos e personagens. Os critérios para tal comprovação não são senão imanentes, diante de conceitos ainda indeterminados, personagens ainda no limbo, planos ainda transparentes. Qualquer pensamento é avaliado pelos movimentos que traça, fluxos que cria, multiplicidades complexas que infinitiza. Só pode ser condenado aquele pensamento que não experimenta, não prolonga, não desterritorializa, não foge, não se relaciona com problemas de fora, não abala a confiança na arbitrariedade da língua, nem vive a gagueira e bilinguismo dentro da própria linguagem. Do que lhe toca, a filosofia do inferno busca dar o que pensar ao pensamento da Educação. Modificar o que significa pensar o inversossímel. Reunir à força coisas distintas. Alhear significados existentes. Agitar devires de idéias. Liberar riachos e canais de conceitos, onde pululam mais seres maravilhosos do que no fundo dos oceanos. Programar meios de orientação, para conduzir experimentações nas práticas de pesquisa educacional. Inventar possibilidade de existir como pesquisador, para se tornar sempre outra coisa, que ultrapassa todas as previsões. Os pesquisadores do inferno na Educação não estão no inferno. Dão vida aos conceitos sobre a infesfera. Não são infernais. Tornam-se, à medida que investigam e pensam o pensamento infernal. Não se deixam representar pelos infernais. São invólucros e pseudônimos dos personagens que criam. O destino de cada pesquisador é tranformar-se em seu infernal. Assim, poderá retornar do mundo das idéias, opiniões, coisas e sujeitos mortos, como um vencedor. Vencedor que indica não algo nem alguém que ultrapassa suas possibilidades, mas um agente de enunciação da filosofia do inferno. A questão não será o que um infenal desses pode ou não fazer no pensamento da Educação, mas a maneira pela qual é perfeitamente positivo e produtivo como pesquisador do inferno, mesmo no que não sabe ou não pode pensar.  

Sandra Mara Corazza Para uma Filosofia do Inferno na Educação Editora Autêntica p. 95.

Da Pedagogia Teatral

Marlon Brando

Um número grande e crescente de demandas, às vezes estranhas, por outras bizzaras, tem chegado a nós, profissionais do teatro. O teatro como ferramenta de libertação dos corpos tolhidos pela mecanização do cotidiano, como instrumento de conscientização, como modelo de vivência grupal, como forma de integração dos indivídos numa vida mais regrada e adaptada, como garantia de acesso aos bens culturais de um povo, eis algumas das funções que a atividade teatral tem cumprido em diferentes lugares, em diversos discursos e em variados projetos de libertação do homem. Assim ONGs, projetos governamentais, escolas formais e informais, empresas, programas contínuos ou ações isoladas, como também um sem número de atividades, têm usado o teatro, suas práticas, como forma de melhorar a vida. Eis a promessa do discurso teatral, a sua prática, a do teatro, ofereceria um caminho para uma humanização do homem, para uma adpatação dos menos ajustados, para uma melhoria de vida, não pelo acúmulo de bens materiais, mas pela constituição de valores eticamente aceitos por uma determinada comunidade. Na perspectiva dessa humanização, o espetáculo tem função coadjuvante. Assim, a prática da oficina, o processo, o desenvolvimento de exercícios que comumente os atores profissionais utilizam em seu processo criativo, tomam uma importância superlativa. É o processo de preparação do espetáculo que prometeria transformar seus participantes, mais do que aqueles que assistem. Nessa concepção, o teatro passou a ser, então, uma espécie de cuidado de sí, uma maneira de melhor viver, de cuidadar do seu íntimo, de conferir atenção ao eu, ao corpo, ao pensamento e à realidade. No entanto, não é na apreciação estética que essa promessa se faz presente, mas na situação pedagógica, na relação de um professor/diretor com alunos/atores. O espetáculo, por sua vez, é momento de coroação de um processo de transformação e, de certa forma, o público assiste o resultado dessa transformação. Acabamento estético, configuração plástica, disposição dramática e outros aspectos de relevância artística podem ser superados em nome de um regime de visibilidade no qual o mais importane é mostrar, ou enfatizar, em alguns casos, a transformação a qual os sujeitos envolvidos foram protagonistas. A situação pedagógica passa a ser, assim,  lócus privilegiado da transformação do humano, foco de atenção e urgência no discurso da educação. A importância do teatro para a criança, para a terceira idade, para a melhoria de operários e empresários, para crianças de rua ou para a escola está presente nos propósitos e no projeto discursivo de muitas instituições. Tantas vezes plocamada, a importância do teatro consegue ser ouvida e lida nos mais diversos falantes, inscrita na materialidade de projetos pedagógicos, divulgada em campanhas sociais, repetida por diretores e coordenadores pedagógicos de escolas e similares, ainda que eles próprios não frequentem o teatro e não tenham experimentado uma oficina lúdica para-teatral sequer. 

Pedagogia Teatral como cuidado de si Gilberto Icle Editora HUCITEC p. 23. 

domingo, 18 de novembro de 2018

Maquiavel ao magnífico Lourenço de Médici

King and Queen Crowns

Aqueles que desejam merecer a gratidão de um príncipe costumam ir ao seu encontro com o que têm de mais precioso, ou com o que cause mais deleite a ele, por isso os vemos muitas vezes presenteando cavalos, armas, tecidos de  ouro, pedras preciosas e ornamentos similares dignos da drandeza daquele. Desejando eu, portanto, apresentar-me a Vossa Magnifícência com um testemunho de minha cervintia, não encontrei, entre meus pertences, algo que considere mais importante ou que estime mais quanto o conhecimento das ações dos grandes homens, adquirido por mim com uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição das antigas, coisas as quais, tendo sido com grande cuidado longamente pensadas e examinadas, e agora a um pequeno volume reduzidas, mando a Vossa Magnificência. E ainda que eu julgue esta obra indigna da presença de Vossa Magnificência, também confio muito que, pela sua humanidade, deva ser aceita, considerando que eu não poderia oferecer-lhe maior presente que lhe dar o poder de entender em brevíssimo tempo tudo aquilo que eu, em tantos anos e com tantos apertos e perigos, enfim conheci e entendi. Obra a qual eu não enfeitei nem a enchi de sentenças imprecisas, ou de palavras pomposas e magníficas, ou de qualquer outro artifício ou ornamento desnecessário, com os quais muitos costumam descrever e ornar as suas coisas, porque eu quis, ou que nehuma coisa a honre, ou que somente a variedade da matéria e a gravidade do tema a façam merecedora de gratidão. Nem quero que seja considerada presunção se um homem de baixa e ínfima condição ousar regular e discorrer sobre o governo dos príncipes, porque, assim como aqueles que desenham as paisagens põem-se baixo, no plano, para considerar a natureza dos montes e dos lugares altos, e para considerar aquelas de baixo põem-se de alto, sobre os montes, similarmente, para conhecer bem a natureza do povo é preciso ser príncipe, e, para conhecer bem aquela do príncipe, é preciso ser povo. Aceite, portanto, Vossa Magnificência este pequeno presente com o mesmo ânimo que eu o mando, no qual, se for diligentemente considerado e lido, conhecereis o meu desejo extremo de que alcanceis aquela grandeza que a fortuna e vossas outras qualiddes vos prometem. E se Vossa Magnificência, do ápice de sua alteza, uma hora dessas voltar os olhos a esses lugares baixos, saberá que eu suportei injustamente uma grande e contínua malignidade da fortuna. 

Nicolau Maquiavel O principe Editora Vozes de Bolso p. 7.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO CONCEITO DE CULTURA

British Wedding Tradition

No final do século XVIII  e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilisation referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture, que tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inlclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Com esta definição Tylor abrangeria em uma só palavra todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fotemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismo biológico.   

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O conceito de cultura, pelo menos como utilizado atualmente, foi portanto definido pela primeira vez por Tylor. Mas o que ele fez foi formalizar uma ideia que vinha crescendo na mente humana. A ideia de cultura, com efeito, estava ganhando consistência talvez mesmo antes de John Locke (1632-1704), que em 1690, ao escrever Ensaio acerca do entendimento humano, procurou demonstrar que a mente humana não é mais do que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada apenas da capacidade ilimitada de obter conhecimento, através de um processo que hoje chamamos de endocultuação. Locke refutou fortemente as ideias correntes na época, e que ainda se manifestam até hoje, de princípios ou verdades inatas impressos hereditariamente na mente humana, ao mesmo tempo em que ensaiou os homens têm princípios práticos opostos. Quem investigar cuidadosamente a história da humanidade, examinar por toda parte as várias tribos de homens e com indiferença observar as suas ações, será capaz de convencer-se de que raramente há princípios de moralidade para serem designados, ou regra de virtude para ser considerada, que não seja, em alguma parte ou outra, menosprezado e condenado pela moda geral de todas as sociedades de homens, governadas por opiniões práticas e regras de condutas  bem contrárias umas às outras. (Livro I, cap. II p. 10)

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Finalmente, com referência a John Locke, cita-se o antropólogo americano Marvin Harris (1969), que expressa bem as implicações da obra de Locke para a época. Nenhuma ordem social é baseada em verdades inatas, uma mudança no ambiente resulta numa mudança no comportamento. Meio século depois, Jacques Turgot (1727-1781), ao escrever o seu Plano para dois discursos sobre história universal, afirmou: - Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas ideias eruditas, comunica-las para outros homens e transmiti-las para os seus descendentes como uma herança sempre crescente. Basta apenas a retirada da palvra erudita para que esta afirmação de Turgot possa ser considerada uma definição aceitável do conceito de cultura, embora em nenhum momento faça menção a este vocábulo. Esta definição é equivalente às que foram fomuladas, mais de um século depois, por Bronislaw Malinowski e Leslie White.

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Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em seu Discurso sobre a origem e o estabelecimento da desigualdade entre os homens, em 1775, seguiu os passos de Locke e de Tugot ao atribuir um grande papel à educação, chegando mesmo ao exagero de acreditar que esse processo teria a possibilidade de completar a transição entre os grandes macacos, chimpanzé, gorila e orangotango, e os homens. Mais um século transcorrido desde a definição de Tylor, era de se esperar que existisse hoje um razoável acordo entre os antropólogos a respeito do conceito. Tal expectativa seria coerente com o otimismo de Kroeber, que, em 1950, escreveu que a maior realização da Antropologia na primeira metade do século XX foi a ampliação e a clarificação do conceito de cultura, Antropology, in Scientific American, 183. Mas, na verdade, as centenas de definições formuladas após Tylor serviram mais para estabelecer uma confusão do que ampliar os limites do conceito. Tanto é que, em 1973, Geert escreveu que o tema mais importate da moderna teoria antropoógica era o de diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente. Em outras palavras o universo conceitual tinha atingido tal dimensão que somente com uma contração podeira ser novamente colocado dentro de uma perspectiva antropológica. 

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Em 1871, Tylor definiu cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética,  como diríamos hoje. Em 1917, Kroeber acabou de romper todos os laços entre o cultural e o biológico, postulando a supemacia do primeiro em detrimento do seguno em seu artigo, hoje clássico, O superorgânco in American Antropologist, vol.XIX, n.2,1917. Completava-se, então, um processo iniciado por Lineu, que consistiu inicialmente em derrubar o homem de seu pedestal sobrenatural e colocá-lo dentro da ordem da natureza. O segundo passo deste processo, iniciado por Taylor completado por Kroeber, representou o afastamento crescente desses dois domínios, o cultural e o natural. O anjo caído foi diferenciado dos demais animais por ter a seu dispor duas notáveis propiedades, a possibilidade da comunicação oral e a de fabricação de intrumentos, capazes de tornar mais eficiente o seu aparato biológico. Mas estas duas propriedades permitem uma afirmação mais ampla. O homem é o único ser possuidor de cultura. Em suma, a nossa espécie teria conseguido, no decorrer de sua evolução, estabelecer uma distinção de gênero e não apenas de grau em relação aos demais seres vivos. Os fundadores de nossa ciência, através dessa explicação, tinham repetido a temática quase univesal dos mitos de origem, pois a maioria deste preocupa-se muito mais em explicar a separação da cultua da natureza do que com as especulações de ordem cosmogônica. 

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No período que decorreu entre Tylor e a afirmação de Kroeber, em 1950, o momento teórico que se destacava pela sua excessiva simplicidade, contruído a partir de uma visão da natureza humana, elaborada no peródo iluminista, foi destruído pelas tentativas posteriores de classificação do conceito. A reconstrução deste momento conceitual, a partir de uma diversidade de fragmentos teóricos, é uma das tarefas primordiais da antropologia moderna. 

Roque de Barros Laraia Cultura um conceito antropológico Editora Zahar p. 25.

sábado, 17 de novembro de 2018

Haxixe: A história de um transe

Ernst Bloch et Günter Grass

Esta história não é minha. Se o pintor Eduard Scherlinger, que vi pela primeira vez na noite em que ele a narrou, era ou não um grande narrador, é assunto sobre o qual não me estenderei, pois sempre se encontram ouvintes, nesta era de plágio em que vivemos, dispostos a atribuir uma história a alguém com a maior presteza, bastando para isso garantir ter ela sido fielmente transmitida. Eu a escutei, porém, num dos poucos locais de Berlim onde é tradicional o narrar e o escutar. O Lutter & Wegener. Era acolhedora a nossa pequena sociedade, sentada à mesa redonda, mas a conversa esmorecera havia muito e sobrevivia numa escassa surdina, a dois ou a três, em facções que se ignoravam mutuamente. Então, por alguma associação de idéias que nunca pude determinar, o filósofo Ernst Bloch - filósofo alemão, judeu, marxista, autor de O princípio esperança, fez ouvir o seguinte ponto de vista. Uma vez na vida, toda pessoa por um fio não se torna milionária. Surgiram risos. O alforismo foi tomado por um dos seus paradoxos. Mas a partir daí a reunião tomou rumos estranhos. Aos poucos,, sempre com mais interesse, pusemo-nos a examinar, a debater aquele dito, até que cada um de nós megulhando em seus próprios pensamentos, procurou fixar o momento de sua vida em que teria estado a um fio de cabelo dos milhões. O depoimento do saudoso Scherlinger, que passo a reproduzir sempre que possível com suas próprias palavras, conta entre as várias narrativas sigulares que ali vieram à luz. Depois da morte de meu pai, principiou ele, quando me couberam bens de fortuna não de todo insignificantes, decidi antecipar minha viagem à Fraça. Mais que tudo, felicitava-me por conhecer Marselha antes do fim dos anos 20, sem falar no que a cidade natal de Monticelli, a quem devo tudo em minha arte, representava para mim àquela época. Deixeri minhas posses aos cuidados do pequeno banco que, havia décadas, orientava satisfatoriamente os negócios de meu pai, e onde eu mantinha além disso excelentes relações, até mesmo de amizade, com o filho do proprietário. Ele me prometeu zelar por meu depósito durante toda a minha ausência, e, caso se aprentasse a possibilidade de vonvertê-lo em outros papéis, garantira-me que eu seria notificado sem tardar. Bastaria, concluiu ele, que você nos deixasse um cognome. Eu o fitava sem comprender. O problema, explicou ele, é que para cumprir ordens ditadas por telégrafo precisamos proteger-nos contra eventuais abusos. Suponha que lhe enviemos um telegrama e este venha a passar em mãos erradas. A melhor maneira de nos precavermos contra isso é combinar com você um nome secreto, que você substiruirá ao verdadeiro nas mensagens telegráficas. Comprendi o que ele queria dizer e, por um momento, quedei-me perplexo. Não é nada simples esgueirar-se para dentro de um nome estranho como quem veste um traje novo. Milhares e milhares de nomes nos ocorrem, mas o pensamento de que é indiferente optar  por este ou alquele tolhe  o  ato da escolha, e tolhe-o ainda a sensação, dissimulada e que mal se volve pensamento, de que escolher é um ato imponderável e de pesadas consequências. Como um jogador de xadrez em posição insustentável, onde o melhor seria deixar tudo como está, acaba movendo uma pedra porque é a sua vez de jogar, exclamei - Braunschweiger. Não conhecia ninguém por esse nome, nem a cidade da qual ele deriva sua grafia. 

Marseille Ancien Hôtel Régine & Compagnie des Messageries Maritimes 

Depois de uma etapa de quatro semanas em Paris, cheguei à Gare Saint-Louis, em Marselha, num dia opresivo de julho, por volta do meio-dia. Amigos me haviam mencionado o Hôtel Régine, nas cercanias do porto, calculando o tempo necessário para tratar da hospedagem e testar as facilidades de uso de abajur e das torneiras, pus-me a caminho. Como pisava pela primeira vez naquela cidade, adotei meu velho hábito de viajante, que consiste em esquadrinhar primeiro os subúrbios, os bairros distantes, ao contrário do que faz a maioria dos trausentes, aglomerados nas ruas do centro com suas fisionomias bisonhas, quando acabam de chegar a uma cidade desconhecida. Logo constatei que, mais uma vez, meu preceito dava resultado. Nunca fora tão proveitosa aquela primeira hora de estadia, tanscorrida entre docas e enseadas, armazéns e bairros pobres, esparsos asilos do infortúnio. O subúrbio é a exceção da cidade, o terreno onde ecoa sem cessar o clamor da batalha decisiva entre cidade e campo. E em nenhum lugar é ela mais acirrada do que na região onde se confrontam Marselha e a paisagem porvençal. É o combate homem a homem entre postes telegráficos e agaves, entre o arame farpado e as palmeiras de caule eriçado, entre as exalações de corredores malcheirosos  e a úmida sombra dos plátanos em praças mormacentas, entre asmáticas escadarias e potentosas colinas. A longa Rue de Lyon é o rastilho de pólvora que Marselha encravou na paisagem para fazê-la voar pelos ares, em Saint-Lazzare, Saint-Antonie, Arenc, Septèmes, e para que a soterrassem os estilhaços de granada de todos os dizeres comerciais e populares. Alimentation Moderne, Rue de Jamaïque, Comptoir de la Limite, Savon Abat-Jour, Minoterie de la Campagne, Bar du Gaz, Bar Facultatif. Por toda parte assentava aquele aglomerado poeirento de sal marinho, cal e mica. Sob os pulgentes raios do sol que aos poucos declinava, deixando à minha esquerda os alicerces da cidade velha e à direita colinas e pedreiras nuas, segui pelo cais mais avançado até alcançar o imponente Pont Transbordeur, onde termina o velho porto em quadrilátero, poupado ao mar pelos fenícios como uma grande praça. Se meu trajeto pelos arredores populosos fora até então solitário, sentia-me agora imperiosamente incluído no cortejo de marinheiros em festa, doqueiros a caminho de casa, donas-de-casa a passeio e crianças para todos os lados, que seguia ao longo de cafés  e bazares até se dispersar aos pucos em ruas tansversais, só alcaçando a La Cannebière, grande artéria dos negócios, da Bolsa e dos forasteiros, na pessoa de alguns marinheiros e desocupados, como era o meu caso. De um extremo ao outro do porto, estende-se ali a cadeia montanhosa dos souvernirs. Forças sísmicas ergueram aquele maciço de cristal de rocha, esmalte e conchas calcinadas, no qual convivem promiscuamente tinteiros, barcos a vapor, âncoras, colunas barométricas e sereias. A pressão de milhares de atmosferas, execida sobre aquele mundo de imagens atravancadas e retorcidas, lembrava-me a força com que as rudes mãos de um marinheiro, depois de longa viagem, acariciam quadris e seios de mulher, e a volpupia despertada por um coraçãozinho de veludo vermelho ou azul, resgatado da Idade da Pedra para um baú de conchas, a fim de ser ladeado com broches ou alfinetes, parecia-me a mesma que, nos dias de pagamento, percorre a cidade como um frêmito. Embalado por esses pensamentos, eu já deixava para trás a Cannebière, caminhando desatento rente às àrvores da Allée de Meilhan e do Cours Puget, até que o acaso, a quem costumo confiar meus primeiros passos numa cidade, levou-me à Passage de Lorette, pátio estreito que vale como uma câmara mortuária da cidade, e onde, na convivência sonolenta de alguns homens e mulheres, todo o universo parece atrofiar-se até caber numa única tarde de domingo. Abateu-se sobre mim um pouco daquela melancolia que, refletida nas telas de Monticelli, ainda hoje me cativa. Creio que, ao acolhê-la dentro de si, o forasteiros participa de algo que podem sentir os antigos moradores de um lugar, pois a infância é a vara de condão que aponta sempre para a aflição e o desconsolo, só se conhece a melancolia de cidades resplandecentes de glória quando se viveu nela em criança.

Pont Transbordeur de Marseille

Eu poderia. Scherlinger com um sorriso, acrescentar à minha história um belo adorno romântico se descrevesse agora o àrabe, foguista de navio mercante ou carregador das docas, que me teria fornecido haxixe numa taverna portuária de má fama. Mas posso dispensar esse adereço, pois eu me parecia mais com aqueles árabes do que com os forasteiros ali chegados, ao menos pelo fato de também levar haxixe em minhas viagens. O que me induziu a ingeri-lo por volta das sete da noite não foi o desejo degradante de escapar à tristeza, lá em cima no quarto, sentia antes uma necessidade de prostar-me diante da mágica mão que a cidade pousara mansamente em minha nuca. Como já disse, não era novato no consumo da droga,  mas, fosse devido a minhas depressões cotidianas na cidade natal, a um círculo mesquinho de relações ou a locais inadequados, nunca até então eu me sentira paricipante daquela comunidade de iniciados cujos testemunhos me eram familiares, dos Paraísos Artificiais de Boudelaire ao Lobo do estepe de Hesse. Deitei-me na cama, li um pouco e fumei. Diante de minha janela, bem lá embaixo, na zona do porto, eu divisava uma das ruas sombrias e estreitas que são como talhes feitos a faca no corpo da cidade. Em meio a centenas de habitantes, dos quais nenhum me conhecia, eu desfrutava a absouta certeza de poder refugiar-me em meu devaneio sem qualquer incômodo. Mas o efeito tardava. Já se havia passado três quartos de hora, e comecei a suspeitar da qualidade da droga. Será que eu a teria consevado por tempo excessivo? De súbito, ouvi fortes pancadas à minha porta. Nada me pareceu mais inexplicável. Assaltou-me um pavor de morte, mas não fiz tenção de abrir a porta, indagando afinal, sem sair do lugar, do que se tratava. O criado anúnciou. - Um senhor quer falar-lhe. Mande-o subir, respondi. Faltava-me coragem ou presença de espírito para perguntar pelo nome do inesperado visitante. Sentindo palpitar o coração, apoiei-me ao medeiro da cama, os olhos fitos na fresta da porta, até que um uniforme emergiu atráves dela. O senhor era um mensageiro e trazia nas mãos um telegrama. Sugiro compra de mil ações da Royal Doutch pela primeira cotação de sexta-feira telegrafar confirmação. Olhei para o relógio, eram oito da noite. Nas primeiras horas do dia seguinte, um telegrama urgente poderia estar na agência de meu banco em Berlim. Dentro de mim começam a alternar-se inquietação e desagrado. Inquietação por ver-me às voltas, justo naquele momento, com um negócio, uma imcumbência, e desagrado pela insistente demora do efeito. Pareceu-me que o mais sensato seria rumar imediatamente para o correio central, que, pelo que sabia, expedia telegramas até meia-noite. Dado o infalível tirocínio do meu homem de confiança, meu assentimento era desição tomada. Entretanto, preocupava-me um pouco a possibilidade de que,caso o haxixe começasse a fazer efeito, eu pudesse esquecer a senha combinada. O melhor era não perder tempo. Enquanto descia a escada, procurava reccordar a última vez em que havia tomado haxixe, isso fora vários meses antes, e aquela fome devoradora e insaciável que me viera mais tarde, no quarto. Pareceu-me prudente comprar um tablete de chocolate. Avistei ao longe uma vitrina com caixas de bombons, folhas de estanho ofuscantes e bonitos bolos em camadas. Entrei pela loja e estaquei surpreso. Não havia ningém à vista. Mais ainda me surpreenderam as poltronas que ali estavam, e ao examiná-las tive de admitir, mesmo contra a vontade, que em Marselha o chocolate é sevido em cadeiras de espaldar alto, em tudo semelhantes a poltronas operatórias. Então, do outro extremo da rua, veio correndo o proprietário de avental branco, e eu ainda tive tempo de esquivar-me, rindo muito, à sua proposta de fazer-me a barba e aparar-me o cabelo. Comprendi que o haxixe começara sua obra havia muito, e se não o comprovasse a transformação das caixinhas de talco em caixas de bombons, dos estojos de níquel em tabletes de chocolate, e das perucas em bolos, minhas gargalhadas já seriam advetência suficiente. Pois é com a gargalhada ou com o riso, este mais silencioso, mais íntimo e inebriante, que começa o transe. Eu o reconhecia igualmente pela infinita suavidade do vento que, no outro lado da rua, agitava as franjas do toldo. No mesmo instante, fez-se valer aquela necessidade de um tempo e um espaço desmedido que carcteriza o comedor de haxixe. Como é sabido, essa necessidade é soberana e absoluta. Para quem comeu haxixe, Vesalhes não é grande o bastante, e a eternidade dura um átimo. Por trás das gigantescas dimensões da vivência íntima, por trás da duração absoluta e do espaço imensurável, persiste no sorriso beatíficado um humor prodigioso, que esse atiça ainda mais diante da ilimitada ambiguidade de todas as coisas. Eu sentia em meus passos uma leveza e uma precisão que transformavam o terreno irregular e pedregos da grande praça que atravessava no chão de uma estrada real, sobre a qual eu seguia como um robusto viandante em sua marcha noturna. No final dessa grande praça. porém, elevava-se um feio edifício de arcadas simétricas, com um frontão onde se via um relógio iluminado. O correio. Acho-o feio agora, mas naquele momento não o teria admitido. O comedor de haxixe deconhece a feiúra, mas o que influía sobre meus sentimentos era sobretudo a profunda gratidão que o correio despertava em mim, aquele edifício sombrio e expectante, à minha espera, pronto a acolher e transmitir, em todas as suas câmaras e compartimentos, a confirmação inestimável que faria de mim um homem rico. 

Adolphe Joseph Thomas Monticelli 28x 38 cm Museo de Artes de São Paulo

Não conseguia desviar os lhos dele, e sentia até mesmo que seria um desperdício aproximar-me demais do prédio, perdendo assim a visão do conjunto e principalmente do disco lunar que era o relógio iluminado. Então, avistei na escuridão à minha direita, em profusão desordenada, as mesas e cadeiras de um pequeno bar, este sim de aspecto mal-afamado. Eu me encontrava a uma distância suficiente do bairro dos malfeitores e vadios, mas ali não se viam burgueses, no máximo algumas famílias de taverneiros das cercanias, além de um punhado de operários das docas. Sentei-me a uma das mesas. Naquela região afastada, aquele era o único bar em que eu podia sentar-me sem correr perigo, eu o avaliara com a mesma segurança com que um homem exausto consegue encher um copo de água até a borda sem deixar escorrer uma gora, coisa que jamais se consegue fazer com os sentidos alerta. O haxixe, porém, assim que me viu em repouso, começou a exercer sobre mim sua maliciosa magia com uma agudeza primitiva que eu desconhecia, e que nunca voltei a sentir. O efeito do haxixe me transformara num fisionomista. Eu, que normalmente não consigo reconhecer amigos eventuais nem conservar na memória traços fisionômicos, aferrava-me literalmente aos rostos que me circundavam, os quais em outras circunstâncias eu teria evitado encarar. Primeiro, não me agradaria atrair seus olhares, e segundo, não teria suportado sua brutalidade. De súbito, compreendi por que para um pintor, não era esse o caso de Leonardo da Vinci e muitos outros? - a feiura podia valer como o verdadeiro reservatório do belo, ou melhor, como seu cofre de tesouros, o veio cavado na montanha de onde se extrai o ouro recôndido do belo, cintilando por entre as rugas, olhares e feições. Lembro-me sobretudo de um rosto de homem extremamente vulgar e bestial, no qual abalou-me identificar de súbito as rugas da renúncia. Era principalmente pelos rostos masculinos que me sentia atraído. Começou então um jogo que sustentei por longo tempo, e no qual emergia um conhecido de cada nova fisionomia. Às vezes  eu sabia seu nome, às vezes, não , a ilusão se dissipava como se dissipam os sonhos, isto é, não com o peso de uma ação vergonhosa e comprometedora, mas com a bonomia e a afabilidade de algém que cumpriu seu dever. O rosto de meu vizinho, porém, que pelas atitudes lembrava um pequeno-burguês, mudava constantemente de forma, expressão e tamanho. O corte de seus cabelos e uns óculos de aros escuros davam-lhe um aspecto ora rude, ora cordial. Eu repetia a mim mesmo que tais mudança não podiam suceder tão depressa, mas de nada adiantava. Ele já havia acumulado várias vidas quando se tornou de súbito um aluno de ginásio numa cidadezinha do leste. Possuía um gabinete de trabalho onde se respirava um clima culto e agradável. Perguntei, onde este rapaz adquiriu tanta cultura? Qual será a profissão de seu pai? Mercador de panos ou atacadista, de cereais? Ocorreu-me então que aquela cidadezinha era Myslowitz. Olhei para cima. E com efeito, no outro lado da praça, ou melhor, no outro extremo da cidade, avistei o ginásio de Myslowitz, e o relógio, que devia estar  enguiçado, pois os ponteiros não avançavam, passava um pouco das onze. A aula já devia ter recomeçado. Absovi-me inteiramente naquela imagem. Nada mais me sustinha. Os homens cujo fascínio me cativara havia pouco, ou será que já se tinham passado duas horas? - pareciam borrões indistintos. A cada século que passa, as coisas vão ficando mais estranhas, foi o pensamento que me ocorreu. Eu hesitava em fazer honra ao vinho. Era um vinho seco que eu havia pedido, uma meia garrafa de Cassis. Boiava no copo um pedaço de gelo Não sei por quanto tempo me deixei levar pelas imagens que o habitavam. Mas, quando olhei de novo para a praça, percebi que, a cada pessoa que passava, a praça parecia modificar-se como se o passante lhe conferisse um aspecto que, obviamente, nada tinha a ver com o modo como ele a encarava, e sim com aquele efeito que os grandes retratistas do século XVII, conforme a personalidade do modelo colocado diante de uma colunata ou uma janela, conseguem extrair daquela janela, daquela colunata. De súbito, despertei com um sobressalto de meu profundo devaneio. Tudo estava claro dentro de mim, e só tinha uma coisa em mente, o telegrama. Era preciso remetê-lo imediatamente. Para manter-me plenamente alerta, pedi um café preto. Tive de esperar toda uma eternidade, até que o garçom surgiu com a xícara. Agarrei-a avidamente, o aroma subindo-me pelas narinas, mas minha mão, preste a levá-la aos lábios, estacou subitamente, para minha surpresa ou devido à surpresa, quem poderia dizer? Num átimo, avaliei a pressa instintiva de meu braço e examinei friamente a sedução daquele aroma. Só agora eu me lembrava de que aquela bebida, para  o comedor de haxixe, constitui o cúmulo do deleite, pois aumenta sobremaneira o efeito da droga. Eu tinha de resistir, e resisti. A xícara não tocou a boca. Mas tampouco voltou ao tampo da mesa. 


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Permaneceu flutuando no vazio diante de mim, sustentada por meu braço, que já começava a ficar insensível e a empunhava como um emblema, uma pedra sagrada ou um osso hirto e sem vida. Meu olhar recaiu sobre as pregas de minhas calças brancas. Eu as reconhecia, eram como as pregas de um albornoz, meu olhar recaiu sobre minha mão, eu a reconhecia, era uma mão morena e etíope, e enquanto meus lábios permaneciam fortemente comprimidos, recusando-se simultaneamente à bebida e às palavras, um sorriso foi emergindo dentro de mim, um sorriso altivo, africano, sardanapalesco, alusão a Sardanápalo, soberano assírio que sobreviveu nas lendas como modelo de príncipe devasso, o sorriso de um homem capaz de abranger com a vista o curso do mundo e do destino, e para o qual não existe mistério nas coisas e nos nomes. Contemplei-me ali sentado, moreno e silencioso. Braunschweiger. Era esse então o abre-te Sésamo daquele nome, que em seu bojo devia abrigar todos os tesouros. Com um sorriso de infinita piedade, pensei pela primeira vez nos habitantes e Braunschweig, os quais deviam levar uma vida mesquinha naquela pequena cidade da Alemanha central, sem nada saber dos poderes mágicos que aquele nome lhes conferia. Nesse momento, as badaladas da meia-noite soaream todos os campanários de Marselha, como um coro solene que ratificasse minha opinião. Escurecera, fechavam o bar. Vagueando ao longo do cais, li um após o outro os nomes das embarcações que ali estavam atracadas. Ao fazê-lo, apoderou-se de mim uma alegria inaudita, e eu me pus a sorrir para cada nome francês de mulher que via escrito. Marguerite, Louise, Renée, Yvonne, Lucile, o amor que aquele nomes asseguravam aos respectivos barcos pareceu-me belo, singular e comovente. Ao lado do último havia um banco de pedra. Banco, disse comigo mesmo, reprovando naquele objeto a ausência de seu nome, gravado em letras douradas sobre fundo escuro. Esse foi o último pensamento que apreendi naquela noite. Quando despertei num banco à beira d'água, sob o sol quente do meio-dia, foram os jornais vespertinos que me saudaram com a manchete. Alta sensacional nas ações da Royal Dutch. Depois de um transe de haxixe, concluiu o narrador, nunca eu me senti tão enlevado, tão límpido e festivo. 

Walter Benjamim Haxixe Editora Brasiliense p. 15. 

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

The Marx Brothers

The Marx Brothers at Paramount

O primeiro filme dos Irmãos Marx que vimos aqui, Animal Crackers, pareceu-me, e assim foi visto por todo o mundo, uma coisa extraordinária, a libertação, através da tela, de uma magia particular que as relações habituais entre as palavras e as imagens não revelam, e, se há um estado caracterizado, um grau poético distinto do espírito que se possa chamar de surrealismo, Animal Crackers participa plenamente dele. É difícil dizer em que consiste essa espécie de magia, em todo caso é algo que talvez não seja especificamente cinematográfico, mas que também não pertence ao teatro, e de que apenas alguns poemas surrealistas bem-sucedidos, se os houver, poderiam dar uma idéia. A qualidade poética de um filme como Animal Crackers poderia corresponder à definição do humor, se esta palavra há muito tempo não tivesse perdido seu sentido de libertação integral, de dilaceramento de toda realidade no espírito. Para corresponder a originalidade poderosa, total, definitiva, absoluta, não estou exagerando, simplesmente tento definir as coisas, e tanto pior se o entusiasmo me arrebata, de um filme como Animal Crackers e, em alguns momentos, em todo o caso, em toda a parte final, como Monkey Business, seria preciso acrescentar ao humor a noção de algo, inquietante e trágico, uma fatalidade, nem feliz nem infeliz, mas difícil de formular, que se esgueiraria por trás dele como a revelação de uma doença atroz num perfil de absoluta beleza. Em Monkey Business reencontramos os Irmãos Marx, cada um com seu tipo, seguros de si e preparados, sente-se, para agarrar as circunstâncias pelo colarinho. Mas, enquanto em Animal Crackers, e desde o começo, cada personagem quebrava a cara, aqui se assiste, durante três quartas partes do filme, ao jogo de palhaços que se divertem e fazem graça, algumas muito boas, e é apenas no fim que as coisas encorpam, que os objetos, os animais, os sons, o patrão e seus empregados, o anfitrião e seus convidados, que isso se exaspera, se precipita e se revoluciona, sob os comentários ao mesmo tempo extasiados e lúcidos de um dos Irmãos Marx, arrebatado pelo espírito que ele conseguiu em fim desencadear e do qual parece ser um comentário estupefato e passageiro. Nada é tão alucinante e terrível, quanto essa espécie de caça ao homem, como a luta entre rivais, a perseguição nas trevas de um estábulo, de um celeiro onde por todo o lado pendem teias de aranha, enquanto homens, mulheres e animais vêem-se no meio de um amontoado de objetos heteróclitos cujo movimento ou ruído terão cada um seu papel. 


The Marx Brothers Animal Crackers Official Trailer Paramount Pictures

O fato de Animal Crackers uma mulher de repente cair de pernas para cima, num sofá, e mostrar por um instante tudo o que gostaríamos de ver, ou de um homem de repente se jogar sobre uma mulher num salão, dar com ela alguns passos de dança e em seguida estapeá-la dentro do ritmo, mostra uma espécie de liberdade intelectural em que o inconsciente de cada personagem, comprimido pelas convenções e costumes, vinga-se e ao mesmo tempo vinga nosso inconsciente,  mas o fato de em Monkey Business um homem acuado se jogar sobre uma linda mulher que encontra e dançar com ela, poeticamente, numa espécie de busca do encanto e da graça das atitudes mostra uma reivindicação espiritual dupla, e mostra tudo o que há de poético e talvez de revolucionário na graça dos Irmãos Marx.  Mas o fato de a música dançada pelo casal do homem acuado e da linda mulher ser uma música de nostalgia e evasão, uma música de alívio, uma música de liberação, indica o lado perigoso de todas essas blagues humorísticas e mostra que o espirito poético quando se exerce tende sempre a uma espécie de anarquia fervilhante, a uma desagregação integral do real pela poesia. Se os americanos, a cujo espírito pertence esse tipo de filme, só querem entender esses filmes humorísticamente, e em matéria de humor sempre se mantêm apenas nas margens fáceis e cômicas da significação dessa palavra, pior para eles, mas isso não nos impedirá de considerar o fim de Monkey Business como um hino à anarquia e à revolta integral, o fim que põe o berro de um bezerro no mesmo nível intelectual e lhe atribui a mesma qualidade de dor lúcida que ao grito de uma mulher com medo, o fim em que nas trevas de um celeiro sujo dois criados raptores trituram à vontade os ombros nus da filha do patrão e tratam de igual para igual como o patrão desamparado, tudo isso em meio à embriaguez, também intelectual, das piruetas dos Irmãos Marx. E o triunfo de tudo isso está na espécie de exaltação ao memso tempo visual e sonora que todos esses acontecimentos assumem nas trevas, no grau de vibrações que eles atingem e na espécie de forte inquietação que sua reunião acaba por projetar no espírito. 


The Marx Brothers Monkey Business Trailer

Antonin Artaud O Teatro e seu Duplo p. 161 Editora Martins Fontes.

O juizo final

Muitas semanas se passaram e as ondas agitadas da vida se fecharam sobre o frágil esquife de Eva. As necessidades cotidianas não respei...