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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

PRINCÍPIOS QUE RETORNAM


A Antropologia Teatral é um estudo sobre o ator e para o ator. É uma ciência pragmática que se torna útil, quando, por meio dela, o estudioso chega a apalpar o processo criativo e quando, durante o processo criativo, incrementa a liberdade do ator. Consideremos, para começar, duas diferentes categorias de atores que, no modo de pensar, normalmente se identificam como Teatro Oriental e Teatro Ocidental. É uma distinção errada. Para evitar falsas associações com áreas culturais e geográficas concretas, inverteremos a bússola e a usaremos de modo imaginário, falando de um Polo Norte e um Polo Sul. O ator do Polo Norte é o parentemente menos livre. Modela seu comportamento cênico segundo uma rede bem experimentada de regras que definem um estilo ou um gênero codificado. Esse código de ação física ou vocal, fixado em uma peculiar e detalhada artificialidade, seja balé ou um dos teatros clássicos asiáticos, a dança moderna, a ópera ou o mimo, é suscetível de evoluções e inovações. No princípio entretanto, todo o ator que tenha escolhido esse tipo de teatro deve adequar-se a ele e iniciar sua aprendizagem despersonalizando-se. Aceita um modelo de pessoa cênica estabelecido por uma tradição. A personalização desse modelo será o primeiro sinal de sua maturidade artística. O ator do Polo Sul não pertence a um gênero espetacular caracterizado por um detalhado código estilístico. Não tem um repertório de regras taxativas para respeitar. Deve construir ele mesmo as regras sobre as quais apoiar-se. Inicia sua aprendizagem a partir dos dotes inatos de sua personalidade. Usará como ponto de partida as sugestões que derivam dos textos que representará, das observações do comportamento cotidiano, da imitação no confronto com outros atoes, do estudo dos livros e dos quadros, das indicações do diretor. O ator do Polo Sul é aparentemente mais livre, mas encontra maiores dificuldades ao desenvolver, de modo articulado e contínuo a qualidade de seu artesanato cênico. Ao contrário do que parece à primeira vista, é o ator do Polo Norte que tem maior liberdade artística, ao passo que o ator do Polo Sul permanece facilmente prisioneiro da arbitrariedade de uma excessiva falta de pontos de apoio. A liberdade do ator do Polo Norte é mantida no interior do gênero ao qual pertence, e seu preço é uma especialização que torna difícil a saída do território conhecido. Sabe-se que abstratamente não existem regras cênicas absolutas. São convenções, e uma convenção absoluta seria, em si mesma, uma contradição. Mas isso é correto somente no abstrato. Para que um experimentado complexo de regras possa ser verdadeiramente útil, na prática, para o atror, deve ser aceito como se fosse um complexo de regras absolutas. Para realizar essa ficção explícita, frequentemente se considera útil permancer a distância de estilos diferentes. Muitas anedotas contam como quase todos os mestres asiáticos e alguns grandes mestres europeus, como, por exemplo, Etienne Decroux, proíbem que seus alunos se aproximem de outras formas espetaculares, mesmo como simples espectadores. Sustentam que somente desse modo se preserva a pureza e a qualidade da própria arte e, só assim, o aluno demonstra dedicação ao caminho que escolheu. Esse processo de defesa tem a vantagem de evitar a tendência patológica que frequentemente deriva da consciência da relatividade das regras. O passar de um caminho a outro com a ilusão de acumular experiência e ampliar o horizonte da própria técnica. É verdade que um caminho é válido tanto quanto o outro, mas somente se é percorrido até o fim. É necessário um compromisso tal que, por longo tempo, não se permita pensar em nenhuma outra possibilidade. Impor-se regras simples, que não devem ser traídas jamais, afirmava Louis Jouvet, sendo ele também consciente de que os princípios de partida de um ator devem ser defendidos como seu bem mais preciosos e que um processo de sincretismo muito rápido o contaminaria iremediavelmente. Hoje o ambiente teatral é, por um lado, reduzido, mas, por outro, ilimitado. Comumente os atores viajam para fora de sua cultura, hospedam estrangeiros, teorizam e divulgam a especificidade de sua arte em contextos estranhos, veem outros teatros, ficam fascinados e, portanto, com desejo de incorporar em seu trabalho alguns dos resultados que lhes interessaram ou os comoveram. Às vezes, inspirando-se em tais resultados, podem surgir mal entendidos. Alguns podem ser criativos, basta pensar no passado, Bali para Artaud, China para Brecht e o teatro inglês para Kawagami. Porém a sabedoria que se encontra atrás desses resultados, a técnica oculta e a visão artesanal que os anima continuam sendo ignoradas.  

 

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Essa fascinação pelo aspecto exterior, que hoje, por causa da intensidade dos contatos, corre o risco de submeter a evolução das tradições a bruscas acelerações, pode conduzir à promiscuidade que homogeniza. Como comer, tendo também o tempo e a química para digerir os resultados dos demais? O oposto de uma cultura colonizada ou seduzida não é uma cultura que se isola, mas uma cultura que sabe cozinhar do seu modo e comer o que traz ou chega do exterior. Entretanto, os atores e bailarinos, servem-se e serviram-se de alguns princípios comuns pertencetes a cada tradição a cada país. Em torno desses princípios, podemos reunir-nos sem perigo de praticar alguma forma de promiscuidade. Descobrir estes princípios que retornam é a primeira tarefa da Antropologia Teatral. As artes, escreveu Decroux - se parecem em seus princípios, não em suas obras. Poderíamos acrescentar que também os atores não se assemelham em suas técnicas, mas em seus princípios. Estudando-os, a Antropologia Teatral presta serviço tanto ao que tem uma tradição codificada como ao que sofre a sua falta, a quem e afetado pela degeneração da rotina ou a quem está ameadçado pela dissolução de uma tradição, tanto aos atores do Polo Norte como aos do Polo Sul.

Eugenio Barba A Canoa de Papel Tratado de Antropologia Teatral Editora Dulcina p. 28. 

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