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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

The Marx Brothers

The Marx Brothers at Paramount

O primeiro filme dos Irmãos Marx que vimos aqui, Animal Crackers, pareceu-me, e assim foi visto por todo o mundo, uma coisa extraordinária, a libertação, através da tela, de uma magia particular que as relações habituais entre as palavras e as imagens não revelam, e, se há um estado caracterizado, um grau poético distinto do espírito que se possa chamar de surrealismo, Animal Crackers participa plenamente dele. É difícil dizer em que consiste essa espécie de magia, em todo caso é algo que talvez não seja especificamente cinematográfico, mas que também não pertence ao teatro, e de que apenas alguns poemas surrealistas bem-sucedidos, se os houver, poderiam dar uma idéia. A qualidade poética de um filme como Animal Crackers poderia corresponder à definição do humor, se esta palavra há muito tempo não tivesse perdido seu sentido de libertação integral, de dilaceramento de toda realidade no espírito. Para corresponder a originalidade poderosa, total, definitiva, absoluta, não estou exagerando, simplesmente tento definir as coisas, e tanto pior se o entusiasmo me arrebata, de um filme como Animal Crackers e, em alguns momentos, em todo o caso, em toda a parte final, como Monkey Business, seria preciso acrescentar ao humor a noção de algo, inquietante e trágico, uma fatalidade, nem feliz nem infeliz, mas difícil de formular, que se esgueiraria por trás dele como a revelação de uma doença atroz num perfil de absoluta beleza. Em Monkey Business reencontramos os Irmãos Marx, cada um com seu tipo, seguros de si e preparados, sente-se, para agarrar as circunstâncias pelo colarinho. Mas, enquanto em Animal Crackers, e desde o começo, cada personagem quebrava a cara, aqui se assiste, durante três quartas partes do filme, ao jogo de palhaços que se divertem e fazem graça, algumas muito boas, e é apenas no fim que as coisas encorpam, que os objetos, os animais, os sons, o patrão e seus empregados, o anfitrião e seus convidados, que isso se exaspera, se precipita e se revoluciona, sob os comentários ao mesmo tempo extasiados e lúcidos de um dos Irmãos Marx, arrebatado pelo espírito que ele conseguiu em fim desencadear e do qual parece ser um comentário estupefato e passageiro. Nada é tão alucinante e terrível, quanto essa espécie de caça ao homem, como a luta entre rivais, a perseguição nas trevas de um estábulo, de um celeiro onde por todo o lado pendem teias de aranha, enquanto homens, mulheres e animais vêem-se no meio de um amontoado de objetos heteróclitos cujo movimento ou ruído terão cada um seu papel. 


The Marx Brothers Animal Crackers Official Trailer Paramount Pictures

O fato de Animal Crackers uma mulher de repente cair de pernas para cima, num sofá, e mostrar por um instante tudo o que gostaríamos de ver, ou de um homem de repente se jogar sobre uma mulher num salão, dar com ela alguns passos de dança e em seguida estapeá-la dentro do ritmo, mostra uma espécie de liberdade intelectural em que o inconsciente de cada personagem, comprimido pelas convenções e costumes, vinga-se e ao mesmo tempo vinga nosso inconsciente,  mas o fato de em Monkey Business um homem acuado se jogar sobre uma linda mulher que encontra e dançar com ela, poeticamente, numa espécie de busca do encanto e da graça das atitudes mostra uma reivindicação espiritual dupla, e mostra tudo o que há de poético e talvez de revolucionário na graça dos Irmãos Marx.  Mas o fato de a música dançada pelo casal do homem acuado e da linda mulher ser uma música de nostalgia e evasão, uma música de alívio, uma música de liberação, indica o lado perigoso de todas essas blagues humorísticas e mostra que o espirito poético quando se exerce tende sempre a uma espécie de anarquia fervilhante, a uma desagregação integral do real pela poesia. Se os americanos, a cujo espírito pertence esse tipo de filme, só querem entender esses filmes humorísticamente, e em matéria de humor sempre se mantêm apenas nas margens fáceis e cômicas da significação dessa palavra, pior para eles, mas isso não nos impedirá de considerar o fim de Monkey Business como um hino à anarquia e à revolta integral, o fim que põe o berro de um bezerro no mesmo nível intelectual e lhe atribui a mesma qualidade de dor lúcida que ao grito de uma mulher com medo, o fim em que nas trevas de um celeiro sujo dois criados raptores trituram à vontade os ombros nus da filha do patrão e tratam de igual para igual como o patrão desamparado, tudo isso em meio à embriaguez, também intelectual, das piruetas dos Irmãos Marx. E o triunfo de tudo isso está na espécie de exaltação ao memso tempo visual e sonora que todos esses acontecimentos assumem nas trevas, no grau de vibrações que eles atingem e na espécie de forte inquietação que sua reunião acaba por projetar no espírito. 


The Marx Brothers Monkey Business Trailer

Antonin Artaud O Teatro e seu Duplo p. 161 Editora Martins Fontes.

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