Já que eu era seu braço direito, a execução caberia a mim. Mas, quanto mais obedecia as ordens graves, maior era a minha intimidade com aquilo que as emitia. Ele, no entanto, sorria. Num bando, são os rapazinhos e os invertidos que se mostram audaciosos. Eles são os os incitadores dos golpes perigosos. Desempenham o papel do aguilhão fecundante. A potência dos machos, a idade, a autoridade, a amizade e a presença dos mais velhos os fortificam, os tranquilizam. Os machos só dependem de si mesmos. São o seu próprio céu e, conhecendo a sua fraqueza, eles hesitam. Aplicados são meu caso particular, parecia-me que os homens, os duros, eram uma espécie de névoa feminina em que eu gostaria de me perder a fim de me sentir um bloco ainda mais sólido. Na segunda fotografia tenho trinta anos. O meu rosto endureceu-se. Os maxilares são mais fortes. A boca é amarga e cruel. Pareço um vagabundo apesar dos olhos, que ainda são muito doces. A doçura, aliás, seria quase imperceptível por causa da imobilidade a que me obrigara o fotografo oficial. Por meio dessas duas imagens posso reencontrar a violência que então me animava. Dos 16 aos trinta anos, nas prisões de crianças, nas penitenciárias, nos bares, não era a aventura heroica que eu procurava, ia embusca da minha identificação com os mais belos e os mais desventurados criminosos. Queria ser a jovem prostituta que acompanha o amante à Sibéria ou lhe sobrevive, não para vingá-lo, mas para chorá-lo e engrandecer-lhe a memória.
Diário de um ladrão Jean Genet p. 49 69.
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