O rei enfim escutou um apelo enviado do Brasil. O evidente fracasso das donatarias e a crescente ameaça dos franceses, tão claramente retratados na carta de Luís de Góis, levaram D. João III e seus principais assessores a modificar o regime das capitanias hereditárias e a optar pelo estabelecimento de um Governo Geral. O novo sistema seria muito diferente do anterior, Enquanto que, no período das capitanias, todos os investimentos feitos no Brasil eram de responsabilidade exclusiva dos donatários, a criação do Governo-Geral iria transferir para o Tesouro Régio o pesado ônus das despesas relativas à defesa e à ocupação do território colonial. Todo o sistema judiciário, fiscal e administrativo seria centralizado nas mãos do gevernador-geral, deixando de ser atribuição dos donatários. A posse das capitanias não reverteria para a Coroa, os lotes continuariam pertencendo aos respectivos capitães. No entanto, eles perderiam a liberdade de ação, sendo obrigados aprestar contas de seus atos ao governador-geral. A decisão de estabelecer o Governo-Geral naõ deve ter sido fácil. Em 1544, uma profunda crise econômica se abatera sobre a Europa, e iria perdurar até 1552. Em funçao de sua substancial dívida externa e do aumento das taxas de juros, Portugal passava por sérias dificuldades financeiras em 1547. Naquele ano, o reino se encontrava de modo arruinado que, só de juros atrasados, devia mais de 800 mil cruzados, o equivalente a 10 navios. O montante total da dívida externa, sem falar da dívida pública, era superior a 3 milhões de cruzados numa época em que a Coroa arrecadava aproximadamente a mesma quantia por ano. Como a população do país mal ultrapassava um milhão de pessoas, isso sibnifica dizer que cada haitante devia quase 3 cruzados, quantia equivalente a três meses de salário de um marinheiro, de um ferreiro ou de um pedreiro, que, em geral, recebiam cerca de 10 cruzados por ano.
A conjuntura política na Europa também não era favorável a Portugal. Em 1544, Francisco I, da França, e o imperador Carlos V tinham assiando o tratado de Crépy-en-Lannoia, colocando a fim à longa guerra entre os dois reinos. Dessa forma, Francisco I passou a dispor de mais recursos para financiar expedições francesa ao Brasil. Francisco I morreu em 1547. Mas a ascenção ao trono de seu filho, Henrique II, em nada ajudou Portugal, já que o novo soberano estava ainda mais determinado do que seu pai a ocupar o Brasil, tanto é que, em 1555, autorizou a partida da expedição comandada pelo fidalgo Nicolas Durantd de Villegaignon, que seria responsável pela fundação da França Antártica no Rio de Janeiro. Na Espanha, além de ter saido vencedor da guerra contra Francisco I, o que lhe permitirra dedicar mais atenção à expansão de seu império ultramarino na América, Carlos V recebera em 1545, a extraordinária notícia da descoberta da lendária serra da Prata. O minério obtido em Potosí o estimulou a investir na fundação de novas cidades na América, entre as quais Lima e Santiago do Chile, que se somaram a Buenos Aires e Assunção. Por outro lado, na Índia, como se não bastasse o perigo permanente e os constantes conflitos com os árabes, Portugal, obitinha cada vez menos dinheiro com as especiarias. Além de terem inundado, o mercado europeu com grandes quantidades de pimenta, noz-moscada, canela e gengibre, o que foçara a diminuição do preço daqueles produtos, os portugueses encontravam cada vez mais dificuldade para sua obtenção. Os frequentes combates contra os árabes impunham uma série de obstáculos ao comércio e ao tráfico de especiarias. Por fim, na costa mediterrânea e no litoral ocidental de Marrocos as fortalezas luzas viviam sob crescente assédio dos xarifes da dinastia Sus, Circunstância que não só aumentava os gastos com a manutenção daquelas praças como forçava o envio permanente de tropas e navios para garantir sua defesa.
Paradoxalmente, foi essa complexa situação que fez reacender o interesse da Coroa pelo Brasil. Devido às dificuldades crescentes que Portugal enfrentava na África e na Índia, o tesoureiro-mor, Fernão d'Álvares de Andrade, e o vedor da Fazenda, D. Antônio de Ataíde, convenceram o rei D. João III de que valia mais a pena investir dinheiro na colônia sul-americana do que no Marrocos e, a longo prazo, no próprio Oriente. As esperanças de encontrar ouro e prata no Brasil já haviam praticamente se esvanecido. A lavoura canavieira, no entanto, se apresentava como uma opção cada vez mais rentável, e os engenhos estabelecidos por Duarte Coelho em Pernambuco eram a prova concreta disso. Além dos quatro engenhos instalados nos arredores de Olinda, outros seis estavam em funcionamento em São Vicente. Os demais, erguidos em Ilhéus, Porto Seguro, Bahia e São Tomé, tinham sido destruídos pelos indíginas, mas os portugueses planejavam reerguê-los após o estabelecimento do Governo-Geral. Apesar dos lucros potenciais representados pelo açucar, a terra, em si, ainda valia muito pouco no Brasil. Tanto é que, quando decidiram comprar dos herdeiros de Francisco Pereira a capitania da Bahia, para ali instalarem a sede do Governo-Geral, os responsáveis pelo Tesouro Régio pagaram apenas 16 mil cruzados por ela, em prestações anuais de 1.000 cruzados, ou 400 mil reais. A Bahia inteira valia, portanto, menos que uma nau.
O número total de portugueses instalados no Brasil em 1548 também não era elevado ao ponto de justificar a criação do Governo-Geral. A população da colônia não chegava a 1.500 almas, número 30 vezes inferior ao dos lusos que viviam na Índia. Cerca de 600 colonos moravam em São Vicente, outros 600 estavam estabelecidos em Pernambuco e o restante se encontrava disperso em Porto Seguro, cerca de 100, Ilhéus 80 e Espírito Santo. As demais capitanias estavam total ou virtualmente desabitadas. A esperança de lucros representadas pela lavoura canavieira era um estímulo para os portugueses, mas o principal motivo que levou D. Antônio de Ataíde e Fernão d'Álvares a convencerem o rei a investir dinheiro do Tesouro Régio no Brasil mais uma vez foi a ameaçadora presença dos frances e o fato de eles já se encontrarem próximos a São Vicente, de onde como alertava Luís de Góis, poderiam partir em direção ao cabo da Boa Esperança e dali chegar à Índia. No dia 17 de dezembro de 1548, com a corte instalada em Almerim, o rei D. João III, decretou a criação do Governo-Geral. Para cargo de primeiro governador do Brasil foi escolhido o fidalgo Tomé de Sousa. O fato de ele ser primo-irmão de Ataíde é um indicativo de que foi o próprio conde da Castanheira quem o alçou àquele posto. A atuação de Ataíde não se limitou a isso, também foi ele quem redigiu o minucioso Regimento com 17 ítens, que determinava de que forma Tomé de Sousa deveria governar assim que chegasse ao Brasil. No dia 1º de fevereiro, comandando uma frota com seis navios, nos quais viajavam 400 degredados e 200 colonos, Tomé de Souza zarpou de Lisboa. Meio século se havia passado desde a chegada de Pedro Álvares Cabral e quase nada do que os portugueses tinham tentado fazer no Brasil dera certo até então. Tomé de Souza iria tentar outra vez.
Michael Jackson They Don't Care About US
Eduardo Bueno Capitães do Brasil A saga dos primeiros colonizadores p. 248.
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