Nós, artistas, pesquisadores, professores, estamos no contínuo processo de criar e dissertar sobre que criamos, bem como no processo didático de ensinar o que acreditamos saber. Essa tarefa não é simples, portanto merece ser olhada com acuidade. No universo acadêmico, diversos artistas-professores trazem inúmeras questões presentes no cotidiano do artista-pesquisador em seu processo. A pesquisadora Sandra Rey (2002) provoca reflexões sobre o fazer artístico no mundo acadêmico com um olhar para o trânsito ininterrupto entre prática e teorização. A pesquisadora é artista plástica, portanto consigna realidades do universo das artes visuais, mas mesmo assim suas ideias contribuem para gerar reflexões coerentes à pesquisa do artista cênico. Um ponto importante a ser relacionado com a investigação cênica é a diferenciação entre duas formas de pesquisa. Em nosso programa de pós-graduação estabelecemos a diferença entre as duas formas entre as duas formas de pesquisa, nomeando pesquisa em arte aquela realizada pelo artista-pesquisador a partir do processo de instauração de seu trabalho, e pesquisa sobre arte a realizada por teóricos, críticos e historiadores, tomando como objeto de estudo a obra de arte, para realizar análises pontuais, estudos históricos, meios de circulação etc. (Rey, 2002,p.125) Essa diferenciação é de grande valia no contexto acadêmico, já que fazer arte na academia acaba sendo um campo de batalha para os próprios artistas que, contraditoriamente ou não, escolhem estar na universidade e se propuseram a dialogar com outros saberes e aprofundar a própria pesquisa em arte, acreditando ser um terreno fértil para o desenvolvimento e a verticalização da pesquisa do seu fazer artístico.
Enquanto isso, presenciamos pesquisadores sobre arte discorrerem suas proposições com contribuições favoráveis à construção de reflexões sobre arte. Mas é importante deixar claro que a via é outra. O pesquisador sobre arte aborda o que a arte tem a dizer e até mesmo para quem ela diz com todas as suas ressonâncias, ao passo que o artista-pesquisador em arte estabelece uma relação direta com o objeto de pesquisa , que é ele próprio em sua expressão artística. Portanto o processo é o resultado de sua pesquisa acadêmica, ao passo que a obra criada não deixa de ser o produto de sua pesquisa em arte. Segundo as contribuições de Rey (2002, pg. 139), na abordagem metodológica da pesquisa em arte, um trabalho de mestrado ou doutorado está intricado com a criação. Não podemos deixar de considerar que a dissertação ou a tese é a reflexão resultante de um trabalho de criação. O processo criativo acontece em duas instâncias. Na prática incorpora na sala de ensaio e na prática da escrita, na elaboração do texto. Aqui convergimos as diversas ações do artista-pesquisador-acadêmico sem hierarquia de valores. Podemos tratar a prática da escrita e a escrita da prática como uma via de mão dupla.
É recomendável para o pesquisador em arte estabelecer em qual território ele se encontra para potencializar os momentos oportunos de sua pesquisa. Muitas vezes, a criação artística acontece concomitantemente à criação escrita ou sequencialmente a ela. Primeiro o trabalho prático então a redação do texto, ou até mesmo ao contrário. Enfim, regras não existem, mas algumas estratégias podem aliviar o caminho criativo acadêmico que, às vezes, se torna angustiante-paralisante em vez de angustiante-problematizante, situação esta favorável à ação criativa. Strazzacappa e Morandi (206, p. 36) compartilham de uma reflexão sobre a arte na universidade alijando a hierarquia entre arte e ciência. Arte e ciência devem estar no mesmo patamar. Não acreditamos numa hierarquia entre ciência e arte, nem defendemos o discurso naif de alguns de que a pesquisa em arte pode se enquandrar nos padrões da pesquisa científica. Pelo contrário, queremos apontar os benefícios da existência da arte no ambiente acadêmico pela perspectiva de que as ciências precisam da arte quanto, ou mais do que, a arte precisa da ciência. Partindo dessa premissa de não hierarquização entre arte e ciência, o pesquisador em arte livra-se de uma suposta necessidade de enquadrar-se em um uso forçado e pressionado de conceitos científicos que muitas vezes não alimentam o seu fazer artístico. Ele pode, portanto, construir os saberes sensíveis da arte com a singularidade de seu olhar. A linguagem alimenta-se da subjetividade e da vivência do artista. Já os conceitos emergem então, dos procedimentos, da maneira de trabalhar. (Rey, 2002, p. 128)
The Lion King Musical Awards
Ao longo dos anos, fui aprendendo a abrir minha percepção e minha recepção a tudo que me chame a atenção e possa contribuir para o processo de criação, como músicas, textos, luminosidades, cenas cotidianas e relações. Pude perceber, sobretudo, a importância de me situar em meio ao processo, localizando o que sinto e de que forma tal aspecto me impressiona. Às vezes, depois do aquecimento, antes de iniciar os ensaios práticos, acabo escrevendo em vez de ensaiar. A escrita passou a fazer parte do processo criativo.
Jussara Miller Qual é o corpo que dança Dança e educação somática para adultos e crianças p .127.
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