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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Link between Art and Science


Neptuno

A ciência vai muito além da sua mera prática. Por trás das fórmulas complicadas, das tabelas de dados experimentais e da linguagem técnica, encontra-se uma pessoa tentando transcender as barreiras imediatas da vida diária, guiada por um insaciável desejo de adquirir um nível mais profundo de conhecimento e de realização própria. Sob esse prisma, o processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo nas artes, isto é, um veículo de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no Universo. Os mitos enceram todas as resposta lógicas que podem ser dadas à questão da origem do Universo, incluindo as que encontramos em teorias cosmológicas modernas. Com isso não estou absolutamente dizendo que a ciência moderna está meramente redescobrindo a antiga sabedoria, mas que, quando nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas podemos discernir uma clara universalidade do pensamento humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua essência, as ideias são as mesmas. É importante que tenhamos em mente que mitos de criação e modelos cosmológicos têm algo de fundamental em comum, ambos representam nossos esforços para compreender a existência do Universo. É claro que existe uma grande diferença entre um enfoque e religioso e um enfoque científico no estudo da origem do Universo. Teorias científicas são supostamente testáveis e devem ser refutadas se elas não descrevem a realidade. Há milênios, muito antes de esse corpo de conhecimento que hoje chamamos de ciência existir, a relação dos seres humanos com o mundo era bem diferente. A natureza era respeitada e idolatrada, sendo a única responsável pela sobrevivência de nossa espécie, a qual vivia basicamente de caça e de uma agricultura bastante rudimentar. Essa relação religiosa com a Natureza se estendia para além das funções mais imediatas de bem-estar e segurança do grupo, abrangendo também necessidades de ordem mais metafísica. Um exemplo típico é a interpretação da morte em diferentes religiões. Em certos casos, a morte é apenas uma passagem para uma nova vida, uma ponte ligando uma existência a outra, em um ciclo que se repete eternamente. Em outros, a morte representa uma ascensão a uma realidade absoluta, a promessa de uma merecida existência eterna no Paraíso, após as várias atribulações e dificuldades da vida. Para o crente, a fé conforta e dá a certeza de que sua própria morte não é o fim de tudo. Já par o cético, a própria ciência pode oferecer algum conforto. Como escreveu o físico americano Sheldon Glashow: talvez possamos, ao entendermos a ciência, encarar mais facilmente nossa própria mortalidade e a da nossa espécie e planeta. 



Júpiter NASA

Quando tentamos entender o universo como um todo, somos limitados pela nossa perspectiva interna, como um peixe inteligente que tenta descrever o oceano como um todo. E aqui nos defrontamos com uma barreira aparentemente intransponível, que tem suas origens no modo como pensamos e nos comportamos em sociedade. O problema da polarização entre partes de opostos imbuída na nossa percepção da realidade. Quando tentamos organizar o mundo à nossa volta, a distinção entre opostos é fundamental. Nossa existência e ações são rotineiramente baseadas em pares de opostos, como dia e noite, frio e quente, culpado e inocente, feio e bonito, morto e vivo, rico e pobre. Sem estas distinções nossos valores não fariam sentido, nossa agricultura não funcionaria, e nossa espécie provavelmente não sobreviveria. O problema é que pagamos um preço por sermos assim. Perguntas que transcendem a distinção entre opostos ficam sem resposta. Pelo menos sem resposta que possamos chamar de lógica. Uma pessoa religiosa vai procurar respostas dentro do contexto de alguma religião, que poderá ser tanto uma religião organizada como uma versão pessoal. O ateu tentará, talvez, achar uma resposta dentro de um contexto científico. O veículo encontrado por várias culturas foi o mito. Mitos são histórias que procuram viabilizar ou reafirmar sistemas de valores, que não só dão sentido à nossa existência como também servem de instrumento no estudo de uma determinada cultura. É claro que, quando diferentes culturas tentam formular uma explicação para a origem de tudo, elas têm de usar uma linguagem essencialmente metafórica, baseada em símbolos que têm significado dentro da cultura geradora do mito. Metáforas também são comuns em ciência, especialmente a ciência que explora fenômenos alheios à nossa percepção sensorial, como por exemplo no mundo do muito pequeno e do muito rápido, o domínio da física atômica e subatômica. Devido aos seu profundo  significado, os mitos de criação nos fornecem um retrato fundamental de como determinada cultura percebe e organiza a realidade à sua volta. O que é realmente fascinante é que tanto a ciência como a religião expressam nossa reverência e fascínio pela Natureza.  


Planet Earth Trailer Official BBC

Após derrotar os persas em uma série de conflitos durante as primeiras décadas do século V a.C., a civilização grega viveu um século e meio de grande esplendor, inspirada pela liderança de Péricles, que governou Atenas de 461 a 429. Nem mesmo as amargas disputas entre Atenas e Esparta e outros Estados, que acabaram com a guerra do Peloponeso, conseguiram ofuscar o incrível nível de sofisticação atingido durante esse período. Durante esse período o pensamento e o impulso criativo e artístico dos gregos ascenderam a níveis que os transformaram numa fonte de luz para o resto da História. Que essa luz tenha continuado a brilhar através dos tempos, sobrevivendo a séculos de intolerância religiosa e muitas guerras, é a prova concreta de coragem intelectual daqueles que acreditam que a busca do conhecimento é o antídoto contra a cegueira causada pela repressão e pelo medo. As primeiras chamas a iluminar o caminho surgiram dos poemas épicos atribuídos ao legendário poeta Homero, a Ilíada e a Odisseia, que datam provavelmente do século VIII a.C. Esses épicos, juntamente com os jogos olímpicos, ofereciam uma referência que unia os pequenos vilarejos. Baseados nas conquistas gregas na época da Guerra de Tróia, século XII a.C., os poemas serviram como vínculo não só linguístico, mas também cultural e histórico, entre vários povoados fornecendo uma identidade homogênea que representava a civilização grega de então. Na Odisseia, o céu é descrito como sendo feito de bronze ou ferro, sustentado por pilares. Encontramos também várias referências a constelações, como Órion e as Plêiades, e às fases da Lua.  Durante o século VI a.C., o comércio entre os vários Estados dos gregos cresceu de importância, e a riqueza gerada levou a uma melhoria das cidades e das condições de vida. O centro das atividades era Mileto, uma cidade Estado situada hoje na costa mediterrânea da Turquia. Foi em Mileto que a primeira escola de filosofia pré-socrática floresceu. Sua origem marca o início da grande aventura intelectual que levaria, dois mil anos depois, ao nascimento da ciência moderna. 


Miletus

De acordo com Aristóteles, Tales de Mileto foi o fundador da filosofia ocidental. A questão de central importância para os filósofo era a composição do cosmo. Qual substância compõe o Universo? A resposta de Tales é que tudo é água. Tales tinha se inspirado em suas qualidades únicas de mutação. A água é continuamente reciclada dos céus para a terra e oceanos, transformando-se de líquida para vapor, representando, assim, a dinâmica intrínseca dos processos naturais. Mais ainda, assim como nós e a maioria das formas de vida dependemos da água para existir, o próprio Universo exibia a mesma dependência, já que também era considerado por Tales como um organismo vivo. Essa visão orgânica do cosmo representa um esforço de unificação dos mecanismos responsáveis pelos processos naturais e nossa própria fisiologia. Quando disse que todas as coisas estão cheias de deuses, ou que o magnetismo se deve à existência de almas dentro de certos minerais, Tales não estava invocando deuses para explicar suas observações, mas adivinhando intuitivamente que muitos dos fenômenos naturais são causados por tendências ou efeitos inerentes aos próprios objetos. De fato, a palavra alma deve ser compreendida como uma espécie de princípio vital, por intermédio do qual as coisas são animadas, e não no seu sentido religioso moderno. Mesmo que essas pareçam simples para nós, sua importância histórica é crucial. Com suas perguntas, Tales inaugurou um novo período na história do conhecimento, em que a Natureza passou a ser província da razão, e não de deuses ou causas sobrenaturais. Ao tentar explicar os vários mecanismos complexos da Natureza através de um princípio unificador originado dentro da própria Natureza, Tales se posicionou a parte do passado, fundando a tradição filosófica ocidental. 



Blue Planet BBC 

Marcelo Gleiser A dança do Universo dos Mitos de Criação ao Big Bang. 

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