Projeto Pedagógico Oficinas de Teatro em Inglês

sábado, 8 de setembro de 2018


Estava quente na cidade, mas eu ainda usava capa de chuva. Dava-me segurança quando ia para as ruas atrás de trabalho, meu único currrículo, uma passagem por uma fábrica, vestígios de uma formação incompleta e um uniforme de garçonete imaculadamente engomado. Arranjei uma vaga em uma pequena cantina italiana chamada Joe's na Times Square. Três horas depois, no meu primeiro turno, derrubei uma travessa de vitela à parmegiana no paletó de tweed de um freguês e fui dispensada das minhas obrigações. Sabendo que nunca daria certo como garçonete, deixei meu uniforme um pouco manchado - com os tamancos combinando em um banheiro público. Minha mãe me dera aquilo, um uniforme branco e tamancos brancos, investindo suas esperanças no meu bem-estar. Agora pareciam lírios murchos, largados em uma pia branca. 

History of Streets: St. Marks Place, 2nd to 3rd Avenue 

Quando à núvem desnsa da psicoldelia da St. Mark's place, eu não estava preparada para a revolução em andamento. Havia um clima de paranoia, vago e inquientante, uma correnteza profunda de rumores, fragmentos captados de conversas que antecipavam a futura revolução. Eu simplesmente ficava ali sentada tentando imaginar tudo aquilo, o ar impreganado de fumaça de haxixe, o que talvez explique minhas lebranças oníricas. Fui atravessando, à unha, uma rede espessa de consiência cultural que nem sabia que existia. Eu antes vivia no mundo dos meus livros, a maioria deles escrita no século XIX. Embora estivesse preparada para dormir em bancos, metrôs e cemitérios, até arranjar um emprego, não estava preparada para a fome constante que me consumia. Eu era uma coisinha magricela com um metabolismo acelerado e um  grande apetite. O romantismo não conseguia saciar minha necessidade de comida. Até mesmo Baudelaire precisou comer. Suas cartas traziam muitos gritos desesperados de desejo de carne e cerveja.   



Patti Smith After the Gold Rush

Eu precisava de um emprego. Fiquei aliviada quando me contrataram como caixa numa filial fora do centro da livraria Brentano. Teria preferido cuidar só da seção de poesia em vez de encher o caixa vendendo joalheria étnica e artesanato, mas gostava de ficar olhando aquelas bugigangas de países distantes; braceletes berbeeres, colares de conchas do afeganistão, um Buda incrustado de joias. Meu objeto favorito era um singelo colar da Pérsia. Era feito de duas placas de metal esmaltado unidas por pesadas contas negras e prateadas, como um escapulário muito velho e exótico. Custava dezoito dólares, o que parecia ser muito dinheiro. Quando as coisas estavam calmas na loja, eu tirava da caixa e copiava a caligrafia gravada em sua superfície roxa, e sonhava histórias sobre sua origem. Pouco depois de começar a trabalhar ali, o menino que eu encontrara no Brooklyn entrou na loja. Parecia  muito diferente com aquela camisa branca e gravata, como um estudante católico. Explicou que trabalhava na Brenato do centro e tinha um crédito sobrando que estava pensando em usar. Passou muito tempo olhando tudo, as miçangas, as miniaturas, os anéis de turquesa. Enfim falou. - Eu quero este aqui. Era o colar persa. - Oh, também é meu favorito, respondi. Lembra um escapulário. - Você é católica? ele me perguntou. - Não, é que eu gosto de coisas católicas. - Eu fui coroinha. Sorriu para mim. - Eu adorava balançar o turíbulo. Fiquei feliz por ele ter escolhido minha peça favorita apesar de triste por vê-la indo embora. Quando a embrulhei e entreguei a ele, eu disse impulsivamente. - Não vá dar isso a nenhuma garota além de mim. Fiquei instantaneamente constrangida, mas ele apenas sorriu e disse. Pode deixar. Depois que ele saiu, olhei para o lugar vazio onde o colar ficava, sobre um pedaço de veludo preto. Na manhã seguinte uma peça mais sofisticada tomou seu lugar, mas lhe faltava o mistério simples do colar persa. 

Patti Smith Só garotos pg. 41

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O juizo final

Muitas semanas se passaram e as ondas agitadas da vida se fecharam sobre o frágil esquife de Eva. As necessidades cotidianas não respei...