Projeto Pedagógico Oficinas de Teatro em Inglês

sábado, 22 de dezembro de 2018

O juizo final


Muitas semanas se passaram e as ondas agitadas da vida se fecharam sobre o frágil esquife de Eva. As necessidades cotidianas não respeitam as nossas dores e os atos maquinais da existência subsistem, ainda que despidos de qualquer interesse. Assim aparentemente, os hábitos de St. Clare não se tinham modificado. Sob muitos aspectos, porém ele se convertera num homem completamente diferente. Lia, com atenção, a pequena Bíblia de Eva. Sentia remorsos de sua passada displicência e censurava-se por negligenciar os escravos. Por isso, logo após seu regresso a New Orleans, tomou providências para obter a emancipação legal de Tomás. Afeiçoava-se cada dia mais a esse fiel escravo que lhe recordava, como nenhum outro, a sua querida Eva. - Pois bem Tomás, disse-lhe na manhã do dia seguinte aquele em que cumprira as primeiras formalidades da emancipação - Vou fazer de você um homem livre. Pode ir arrumando as suas coisas para voltar a Kentucky. - Deus seja louvado! - exclamou Tomás  levantando as mãos para o céu. O brilho de alegria que viu nos olhos do preto desapontou St. Clare, não lhe agradou que Tomás se mostrasse tão disposto a deixá-lo. Está tão contente assim por deixar-nos, Tomás? Afinal de contas, você, aqui, não era maltratado. - Não meu amo, não é isso que me enche de alegria. É o fato de ser um homem livre! - Mas você, a qui, não é mais feliz do que se fosse livre? Se você trabalha-se Tomás, não ganharia, por certo, o suficiente para sustentar-se como em minha casa. - Sei disso, sr. St. Clare. Mas prefiro ter roupas pobre e uma casa pobre a viver hospedado em casa alheia. - Quer dizer que daqui um a mês, logo que todas as formalidades estejam cumpridas, você irá embora? - Não, senhor. Ficarei todo o tempo que o senhor precisar de mim e não sairei enquanto o vir assim triste. - E quando acabará a minha pena, meu bom Tomás? Não quero prendê-lo aqui por tanto tempo. Você irá ver a sua família e falar-lhes da minha amizade. A conversação foi, neste ponto, interrompida por um tumulto em que se distinguia a voz de Ofélia. Esta última, após a morte de Eva, modificara-se sensívelmente, tornando-se, por assim dizer, mais humana. Interessava-se ativamente pela educação de Topsy, que não lhe dava mais o mínimo desgosto, embora não estivesse, naturalmente, convertida numa santa. Nesse dia, justamente, quando Ofélia mandou chamá-la, Topsy, antes de correr-lhe ao encontro, escondeu, precipitadamente, alguma coisa no seio. - Que é que você está fazendo aí? perguntou Rosa, que a viera chamar. - Você roubou alguma coisa! - E, ao mesmo tempo, segurava-a pelo braço. - Deixa-me, Rosa, protestou a negrinha, desembaraçando-se dela. - Não roubei coisa alguma. - Eu vi quando você escondeu qualquer coisa, bem a conheço! - e, dizendo isto, Rosa tentou apoderar-se do objeto em litígio. Topsy resitia, furiosa, quando apareceu Ofélia. - Ela roubou alguma coisa! - Mentira! Não roubei nada! - Dê-me então o que você escondeu aí - ordenou Ofélia, em tom firme. Topsy hesitou, mas acabou tirando do seio um embrulho, metido num velho pé de meia. Continha, o embrulho, um livrinho de rezas que Eva, lhe dera, enrolado numa fita preta, e um papelzinho, muito bem dobrado, que encerrava o anel do cabelo dorado da menina.  St. Clare, que também tinha sido atraído pelo barulho, perguntou: - Por que enrolou esse crepe no seu livro? - Porque... porque... foi da srta. Eva. Ah! por favor, não tire de mim! E, atirando-se, de golpe, no chão, cobriu a cabeça com o avental e pôs-se a dar gemidos lastimosos. St. Clare, com os olhos cheios de lágrimas, sorriu, dizendo: - Vamos, não chore! Você ficará com seu tesouro. - E, recolhendo os diversos objetos, devolveu-os à pretinha, arrastando depois Ofélia para a sala. - Parece-me que a prima, afinal, vai conseguir endireitar essa menina. Todo espírito capaz de uma dor sincera é acessível ao bem. - Ela tem melhorado considerávelmente, tenho muitas esperanças! Mas primeiro, quero fazer-lhe uma pergunta. Está pequena é minha ou sua? - É sua! Pois eu não lhe dei? - Sim, mas não legalizou o presente. Eu desejo que ela seja legalmente minha para ter, um dia, o direito de levá-la para os Estados livre e dar-lhe a liberdade. Seria inútil que eu me desvelasse por converter essa pequena para abandoná-la, depois, a todos os azares da escravidão. Se realmente, quer dar-ma, faça a doação em forma. - Pois bem, está combinado. Depois veremos isso. - E, desdobrando um jornal, preparou-se para lê-lo. - Entendo que esse passo deve ser dado quanto antes, - insistiu a srta. Ofélia. - Porque o presente é a única ocasião em que temos a certeza de progredir. Vamos! aqui estão papel, pena, tinta. Escreva! St. Clare era inimigo de que o obrigassem a fazer qualquer coisa. A insistência da srta. Ofélia contrariou-o. - Não devia bastar-lhe a minha palavra? Mas, enfim, já que estou nas mãos de uma americana do Norte, nada posso fazer senão concordar. ...

STOVE, Harriet B. A cabana do pai Tomás. Editora: Clube do livro. p. 96.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

CINE BRISTOL

Steve McQueen 

Rotulado como dois homens sem nada em comum, exceto a vontade de viver e um lugar para morrer, Papillon, de Franklin J. Schaffner, continua sendo uma referência para todos os filmes de fuga da prisão. Começa com Papillon - Steve McQueen, sendo envidado para uma prisão na Guiana Francesa por um crime que supostamente não cometeu. Lá, salva a vida de Dega - Dustin Hoffman, prisioneiro e falsário. A partir daí o filme narra as suas diversas tentativas de fuga, financiadas por Dega, até que Papillon finalmente consegue escapar. A partitura de Jerry Goldsmith repercute à ambientação tropical para fazer de Papillon menos um filme de ação e mais um confronto entre o homem e a natureza. McQueen é, portanto, o veículo para explorar a lealdade entre indivíduos e a dor, um herói em sofrimento. Os espectadores atentos notarão quão pouco diálogo há no filme. Em vez disso, o impacto de Papillon vem das atuações e da sórdida detenção. Possivelmente o exemplo mais perfeito e o seu confinamento em cela soitária, embora não diga uma palavra, McQueen ainda assim demonstra ser uma estrela, com enorme presença em cena. O cerne do filme, entretanto, nos vem por meio de um pesadelo. Acusa-o de uma vida desperdiçada, dizem a Papillon, mas o filme torna-se um contra-argumento porque o seu triunfo é de um homem insignificante derrotando um sistema projetado para quebrá-lo. 


Papillon Official Trailer 1973

1001 filmes para ver antes de morrer Editora Sextante p. 563.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

QUANTO DE CARÍCIAS PRECISAMOS


Muito, mais muito mais do que fazemos ou recebemos. As mulheres, de novo, estão certas e os homens, errados. Entre todos os macacos que vivem em bandos, quase todos, os naturalistas de campo observaram que eles passam grooming uns aos outros mais ou menos um terço do tempo em que estão acordados. Grooming foi traduzido simplesmente por catação, como se faz com pulgas e piolhos, por exemplo. Mas a palavra significa muito mais; arrumação, enfeitamento, e groom significa noivo e cavalariço, que escova e lava cavalos! Agrados e carícias cabem muito bem para descrever o fato. Em relação ao grooming, mal existe diferença entre adultos e filhotes, entre machos e fêmeas. O processo é quase sempre recíproco e funciona para apaziguar, relaxar, estabelecer relações, estimular a solidariedade do grupo, simplesmente gozar do prazer de ser coçado, de sentir que tenho pele e estou em contato. A relação entre o grooming e o sexo é praticamente nula ou apenas incidental. Isto é, o groming não é prelúdio, preparação ou indicador de intenção sexual. 

Sexo tudo que ninguém fala sobre tema J. A. Gaiarsa Editora: Ágora p. 186.

O disco amarelo iluminou-se


O sinal verde acendeu-se enfim, bruscamente os carros arrancaram, mas logo se notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila do meio está parado, deve haver ali um problema mecânico qualquer, o acelerador solto, a alavanca da caixa de velocidades que se encravou, ou uma avaria do sistema elétrico, blocagem dos travões, falha do circuito elétrico, se é que não se lhe acabou simplesmente a gasolina, não seria a primeira vez que se dava o caso. O novo ajuntamento de peões que está a formar-se no passeios vê o condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do pára-brisas, enquanto os carros atrás dele buzinam frenéticos. Alguns condutores já saltaram para a rua, dispostos a empurrar o automóvel empanado para onde não fique a estorvar o trânsito, batem furiosamente nos vidros fechados, o homem que está lá dentro vira a cabeça para eles, a um lado, a outro, vê-se que grita qualquer coisa, pelos movimentos da boca percebe-se que repete uma palavra, uma não, duas, assim é realmente, consoante se vai ficar a saber quando alguém, enfim, conseguir abrir uma porta, Estou cego. Ninguém o diria. Apreciados como neste momento é possível, apenas de relance, os olhos do homem parecem sãos, á íris apresenta-se nítida, luminosa, a escleorótica branca, compacta como porcelana. As pálpebras arregaladas, a pele crispada da cara, as sobrancelhas de repente revoltas, tudo isso, qualquer o pode verificar, é que se descompôs pela angústia. Num movimento rápido, o que estava à vista desapareceu atrás dos punhos fechados do homem, como se ele ainda quisesse reter no interior do cérebro a última imagem recolhida, uma luz vermelha, redonda num semáforo. Estou cego estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tornanram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos. Isso passa, vai ver que isso passa, às vezes são nervos, disse uma mulher. O semáforo já tinha mudado de cor, alguns trausentes curiosos aproximavam-se do grupo, e os condutores lá de trás, que não sabiam o que estava a acontecer, protestavam contra o que julgavam ser um acidente de trânsito vulgar, farol partido, guarda-lamas amolgado, nada que justificasse a confusão. Chamem a polícia, gritavam, tirem daí essa lata. O cego implorava, Por favor, alguém que me leve a casa. A mulher que falara de nervos foi de opinião que se devia chamar uma abulância, tranportar o pobrezinho para o hospital, mas o cego disse que isso não, não queira tanto, só pedia que o incaminhassem até à porta do prédio onde morava, Fica aqui muito perto, seria um grande favor que me faziam. E o carro, perguntou uma voz. Outra voz respondeu, A chave está no sítio, põe-se em cima do passeio. Não é preciso, interveio uma tereceira voz, eu tomo conta do carro e acompanho este senhor a casa. Ouviram-se murmúrios de aprovação. O cego sentiu que o tomavam pelo braço, Venha, venha comigo dizia-lhe a mesma voz. Ajudaram-no a sentar-se no lugar ao lado do condutor,  puseram-lhe o cinto de segurança, Não vejo, não vejo, murmurava entre o choro. Diga-me onde mora, pediu o outro. Pelas janelas do carro espreitavam caras vorazes, gulosas da novidade. O cego ergueu as mãos diante dos olhos, moveu-as. Nada, é como se estivesse no meio de um nevoeiro, é como se tivesse caído num mar de leite, Mas a cegueira não é assim, disse o outro a cegueira dizem que é negra, Pois eu vejo tudo branco, Se calhar  amulherzinha tinha razão, pode ser coisa de nervos os nervos são o diabo. Eu bem sei o que é, uma desgraça, sim, uma desgraça. Diga-me onde mora, por favor, ao mesmo tempo ouviu-se o arranque do motor. Baubuciando, como se a falta de visão lhe tivesse enfraquecido a memória o cego deu uma direção, depois disse, Não sei como lhe hei de agradecer e o outro respondeu, Ora, não tem importância, hoje por si, amanhã por mim, não sabemos para o que estamos guardados. Tem razão, quem me diria, quando saí de casa esta manhã, que estava para me acontecer uma fatalidade como esta. Estranhou que continuassem parados, Por que é que não andamos perguntou. O sinal está no vermelho, respondeu o outro, Ah, fez o cego, e pôs-se a chorar outra vez. A partir de agora deixara de poder saber quando o sinal estava vermelho...

Ensaio sobre a cegueira José Saramago Editorea Companhia das Letras p. 11. 

sábado, 8 de dezembro de 2018

Doutor eu ouço vozes!


Uma moça que estou tratando me diz que não sente nenhum prazer sexual, que isto lhe é indiferente, nunca tem vontade, ama seu marido, mas por ela, não precisaria existir sexo, apenas carinho. Na regressão, ela viu-se como uma moça que era espancada e agredida por um homem na casa em que morava, que também tentava abusar dela sexualmente, até que ela fugiu de casa, foi para uma cidadezinha vizinha, perambulou pelas ruas até que uma mulher aproximou-se, conversou com ela algum tempo e a levou para uma casa, onde alimentou-se, tomou um banho, botou roupas bonitas e, então, percebeu que era um bordel. Não teve forças para resistir e iniciou ali uma vida de prostituição, ia para o quarto com os homens, praticava sexo sem nada sentir, sem nenhum prazer, sem reagir, completamente indiferente. Foi ficando velha, cada vez mais triste e indiferente, sozinha, até que desencarnou e subiu para a Luz, onde foi recebida por amigos espirituais, que a acolheram, lhe deram carinho, e ela foi se sentindo bem. Ao final da regressão, conversamos e ela entendeu, então, que até aquele momento ela estivera vivendo mais naquela encarnação do que nesta, ela ainda era aquela mulher, naquele bordeu. Com essa compreensão e mais a ação das essências florais para abuso sexual, tristeza, indiferença afetiva, certamente, ela vai melhorar muito dessa problemática. A Regressão Terapêutica não é para saber quem fomos, o que fomos e, sim para desligar uma pessoa de uma situação traumática do seu passado, que ainda está acontecendo em seu Inconsciente, como se ainda estivesse lá! E é, também, para entender melhor seus problemas, seus conflitos. Os termos vida atual, vidas passadas, etc., criam uma falsa idéia de que vivemos várias vidas, quando nós vivemos sempre, apenas uma vida, eterna. Apenas trocamos de casca de vez em quando, quando a anterior morre, naturalmente, por doença, acidente ou suicídio. Aí nós subimos para o Plano Astral e, depois de algum tempo, descemos novamente para cá, a fim de continuarmos nossa busca de evolução. 

Mauro Kwitko Doutor eu ouço vozes! Doença mental ou mediunidade? Editora Besouro Box p. 31.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Agriculture

Figure 1: Tigris and Euphrates Map. The Tigris River is the river highlighted on the top right and the Euphrates River is seen highlighted on the bottom left.  These rivers meet in southeastern Iraq to form the Shatt al-Arab River which empties into the Persian Gulf.

Cultivo de safras naturais e criação de animais como fonte de alimento ou matéria-prima

Os primeiros esforços agriculas sustentáveis ocorreram por volta de 10000 a.C. no Crescente Fértil, uma área do Oriente Médio que inclui os rios Tigre e Eufrates, o Levante o o delta dorio Nilo. A agricultura também surgiu independetemente na China por volta de 8000 a.C., e nas Américas por volta de 3000 a.C. Os fazendeiros antigos aprenderam a coletar plantas selvagens, como centeio, grão de bico e linho, e plantá-las para colheita, reduzindo assim, a necessidade de viajar para outras localidades para encontrar fontes de alimento. A domesticação de animais possibilitou novas fontes de alimento, produtos e trabalho. Inúmeras teorias foram levantadas a respeito do motivo pelo qual a humanidade fez a transiçao para a agricultura. De acordo com um argumento, era um meio de lidar com a crise de superpopulação decorrente do desenvolvimento do sedentarismo. Outra teoria posturla que a  mudança climática ao final da era do gelo fez com que florestas se espalhassem segmentando áreas previamente abertas, isso encorajou o desentarismo e o rerritorialismo, o que levou à proteção e à propagação de recursos alimentares locais. A agricultura mudou permanentemente a maneira pela qual a humanidade obtém sua comida. Por volta da Idade do Bronze (3500-100 a.C.), civilizações do Oriente Médio obtinham a maior parte de suas necessidades nutricionais de produtos agrículas. No entanto, contar com essa única fonte de alimento levou esses povos a passar por eventuais períodos de fome, além de gerar consequências ecológicas negativas. Por outro lado, foi o que permitiu a ampla expansão da população humana. No século XX, avanços em técnicas de cultivo levaram a um aumento massivo das colheitas, gerando um boom populacional que perdura até hoje. 

Baghdad Cristal Grand Ishtar Hotel 

1001 ideias que mudaram nossa foma de pensar Editora Sextante p. 43.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

É você quem está sentada onde não deve


Para ela, estava certo. Mas naquele dia começou a se dar conta de alguma coisa que ninguém havia descoberto, e era que no transcurso do ano o sol ia mudando impeceptivelmente de posição e quem se sentava na  varanda tinha que ir mudando de lugar pouco a pouco e sem o perceber. A partir de então, Úrsula tinha apenas que se lembrar da data para saber o lugar exato em que Amaranta estava sentada. Embora o tremor das mãos fosse cada vez mais perceptível e já não pudesse com o peso dos pés, nunca se vira a sua figura miudinha em tantos lugares ao mesmo tempo. Era quase tão diligente como quando arcava com toda a responsabilidade da casa. Entretanto, na impenetrável solidão da velhice, dispunha de tal clarividência para examinar mesmo os mais insignificantes acontecimentos da família que pela primeira vez viu com clareza as verdades que as suas ocupações de outros tempos lhe haviam impedido de ver. Na época em que preparavam José Arcadio para o seminário, já tinha feito uma recapitulação infinitesima da vida da casa desde a fundação de Macondo e havia mudado completamente a opinião que tivera dos seus descendentes. Percebeu que o Coronel Aureliano Buendia não tinha perdido o afeto à família por causa do endurecimento da guerra, como ela acreditava antes, mas que nunca tinha amado ninguém, nem sequer a sua esposa Remedios ou as incontáveis mulheres de uma noite que haviam passado pela sua vida e muito menos ainda seus filhos. Vislumbrou que não tinha feito tantas guerras por idealismo, como todo mundo pensava, nem tinha renunciado a vitória iminente por cansaço, como todo mundo pensava, mas que tinha ganho e perdido pelo mesmo motivo, por pura e pecaminosa soberba. Chegou à conclusão de que aquele filho por quem ela teria dado a vida era simplesmente um homem incapacitado para o amor. Uma noite, quando o tinha no ventre, ouviu-o chorar. Era um lamento tão definido que José Arcandio Buendia acordou de seu lado e se alegrou com a idéia  de que a criança ia ser ventriloqua. Outras pessoas prognosticaram que seria adivinho. Ela, pelo contrário, estremeceu com a certeza de que aquele bramido profundo era um primeiro indicio do temível rabo de porco e rogou a Deus que lhe deixasse morrer a criatura no ventre. Mas a lucidez da velhice lhe permitiu ver, e assim o repetiu muitas vezes, que o choro das crianças no ventre da mãe não é anúncio de ventriloquia nem de faculdade adivinhatória, mas um sinal inequívoco de incapacidade para o amor. Aquela desvalorização da imagem do filho despertou-lhe de uma vez toda a compaixão que estava devendo a ele. Amaranta, pelo contrário, cuja dureza de coração a espantava, cuja concentrada amargura a amargava, foi revelada no último exame como a mulher mais terna que jamais pudesse haver existido e compreendeu com uma penosa clarividência que as injustas torturas a que submetera Pietro Crespi não eram ditadas por uma vontade de vingança, como todo mundo pensava, nem o lento martírio com que frustrara a vida do Coronel Gerineldo Márquez tinha sido determinado pelo fel ruim da sua amargura, como todo mundo pensava mas sim que ambas as ações tinham sido uma luta de morte entre um amor sem medidas e uma covardia invencível, e triunfara finalmente o medo irracional que Amaranta sempre tivera do seu próprio e atormentado coração. Foi por essa época que Úrsula começou a se referir a Rebeca, a evocá-la com um velho carinho exaltado pelo arrependimento tardio e pela admiração repentina, tendo compreendido que somente ela, Rebeca, a que nunca se alimentara do seu leite e sim da terra e da cal das paredes, a que não levara nas veias o sangue do seu sangue e sim o sangue desconhecido de desconhecidos cujos ossos continuavam chocalhando na tumba. Rebeca, a do coração impaciente, a do ventre arrebatado, era a única que tinha tido a valentia sem freios que Úrsula desejara para sua estirpe. - Rebeca, - dizia, tateando as paredes - que injustos nós fomos com você. 

Cem anos de Solidão Gabriel Garcia Marquez Editora Record p. 222.

O juizo final

Muitas semanas se passaram e as ondas agitadas da vida se fecharam sobre o frágil esquife de Eva. As necessidades cotidianas não respei...