Em toda Europa, o século XVIII foi uma época de mudanças na ordem social tradicional e nos modos de pensar. Sob o signo do Iluminismo instituiu-se um novo postulado, o da supremacia da razão. Ideias humanitárias, entusiamo pela natureza, noções de tolerância e várias filosofias fortaleceram a confiança do homem na possibilidade de dirigir seu destino na terra. A era dos grandes teatros da cidadania burguesa começava. Dentro de poucas décadas, esplêndidos teatros e óperas seriam construídos por toda a Europa. O teatro tentou contribuir com a sua parte para a formação do século que seria tão cheio de contradições. Le Père de Famille de Diderot, o grande modelo do novo drama de classe média, conforme declarou Lessing, não era nem francês nem alemão, nem de qualquer outra nacionalidade, mas simplesmente humano. A peça aspirava a expressar apenas aquilo que cada um podia expressar, como o entendesse e sentisse. O palco viu-se convocado a ser o fórum e o baluarte da filosofia moral, e prestou-se a este dever com decoro e zelo, na medida emque não preferiu refugiar-se no reino encantado da fantasia ou do riso da Commedia dell'arte. O século do Iluminismo tendia para a reflexão, o sentimentalismo e a crítica. Margot Berthold.
Diderot
A mudança afetava-nos a todos. De minha parte, senti que, enquanto não aprendêssemos a vencer o efeito daquele buraco escuro, não poderíamos avançar um centímetro sequer em nosso trabalho. Paulo, entretanto, estava certo que poderíamos dar melhor rendimento se tivéssimos um exercício novo e emocionante. A isto o diretor respondeu. - Muito bem. Pode-se experimentar. Eis aqui uma tragédia que, segundo espero, lhes fará esquecer a plateia. Passa-se aqui, neste apartamento. Maria casou-se com Kóstia, que é tesoureiro de uma organização pública qualquer. Os dois têm um encantador filinho, recém-nascido, que está sendo banhado pela mãe num quarto que dá para a sala de jantar. O marido examina alguns documentos e conta dinheiro. O dinheiro não é seu, é propriedade que lhe foi confiada e ele acaba de o trazer do banco. Uma pilha de maços de notas está atirada sobre a mesa. Diante de Kóstia o irmão mais moço de Maria, Vania, um retardado observa-o rasgar os envoltórios coloridos das notas e lança-los ao fogo, onde se inflamam, dando um lindo clarão. O dinheiro está todo contado. Julgando que o marido terminou o trabalho, Maria o chama para admirar o filinho no banho. O irmão imitando o que viu, lança ao fogo alguns papéis e o clarão mais bonito, constata, é produzido pelos maços inteiros. Por isso, num delírio de alegria, atira tudo ao fogo, os fundos públicos recém tirados do banco pelo tesoureiro. Neste momento Kóstia volta à sala e vê o último pacotte incendiar-se. Fora de si, precipita-se para a lareira, derruba o idiota que cai com um gemido e, sem conter um grito retira do fogo o último pacote, semicarbonizado. Sua mulher, assustada, entra na sala e vê o irmão estendido ao solo. Tenta erguê-lo, mas não o consegue. Vendo sangue em suas mãos, grita ao marido que traga um pouco de água, mas ele, mergulhado em estupor, não atende. Ela então, sai correndo para buscar água. Do outro quarto ouve-se um grito desgarrador. A criancinha adorada está morta. Afogou-se no banho. Será que isto é suficientemente trágico para mantê-los alheios ao público? Este novo exercício tocou-nos com seu melodrama e seus imprevistos, mas, mesmo assim ...
A preparação do ator Constantin Stanislavski pg.107
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